Um pequeno incidente marcou a chegada desta primavera chuvosa.
A 20 de março, fiz nesta Praça da Liberdade uma pergunta retórica: "Para que
serve o presidente da República?", a que dei uma resposta disfarçada de
conselho: "Não vale responder: para torrar 17 milhões de euros/ano, que é quanto
custa manter a Presidência da República, cujos gastos subiram 31% nos cinco anos
do primeiro mandato de Cavaco".
Esta frase, que gastou 10 cm2 do nosso JN (e usou números publicados e nunca
antes desmentidos), não caiu bem em Belém, que enviou uma clarificação logo
publicada, ocupando 248 cm2 da edição de 21 de março, o que coloca duas
questões.
Faz sentido dar à clarificação de uma frase um espaço 24,8 vezes superior ao
ocupado pela frase que clarifica?
Apesar de um não ser muito tentador, eu respondo que sim. Sim, porque o
respeito que a Presidência da República (PR) nos deve merecer exige que lhe seja
concedida toda a latitude para esclarecer a maneira como ela gasta os dinheiros
públicos.
Quem tem razão? Eu ou Cavaco? Aqui a resposta certa é os dois. Belém diz que
em 2006, no ano em que Cavaco assumiu funções, o Orçamento da PR foi de 17
milhões de euros. É verdade. Eu digo, em 2006, a verba inscrita no Orçamento
para o funcionamento da PR foi de 14,1 milhões. Também é verdade. Uma coisa é
verba inscrita outra é verba gasta. Belém diz que tem vindo a diminuir as
despesas e compara os 17 milhões, gastos em 2006, com os 15,1 milhões inscritos
no Orçamento 2012. É verdade. Eu digo que comparando o último ano completo de
Sampaio com o primeiro de Cavaco, as despesas de funcionamento da PR subiram
2,53 milhões, ou seja 19%.
Podia estar aqui a gastar cm2 de jornal a fazer comparações, dispondo os
números à luz da perspetiva que melhor ilustra o meu ponto de vista, mas sinto
que não só não posso (o espaço desta crónica é finito: 220 cm2) como também não
devo fazê-lo.
Não sei se deva comparar os 16 milhões de euros que PR portuguesa gastou em
2011 com os 8 milhões de euros gastos nesse ano pela Casa Real espanhola.
Sei que corro o risco de passar por monárquico ao comparar os 1, 6 euros que
Belém custa, em média, a cada português, com os 0,93 euros que a Coroa britânica
custa aos seus súbditos, ou os 55 cêntimos per capita que os suecos pagam para
manter o Carlos XVI Gustavo, rainha Sílvia e respetiva família.
E não quero parecer demagógico ao comparar os 500 funcionários dependentes do
Palácio de Belém com os 400 ao serviço do Palácio de Buckingham.
Se calhar vou abster-me de criticar o que me parece serem os gastos
excessivos de Belém, porque, como bem sublinhou a PR na sua clarificação de 248
cm2, os 16 milhões de euros cobrem também as despesas do Museu da Presidência, o
Conselho de Estado e os conselhos das ordens honoríficas, bem comos gabinetes
dos anteriores chefes de Estado - e se Eanes é austero (no seu tempo a PR gasta
163 vezes menos que agora), já não ponho as mãos no fogo por Soares, que noutro
dia até queria pôr-nos a pagar os 300 euros de multa que apanhou por ser
apanhado a 200 à hora.
Retirada daqui