segunda-feira, 14 de maio de 2012

CRIMINALIZAR OS POLÍTICOS? SIM E NÃO

Como agora se confirmou na França e na Grécia, a crise continua a aplicar derrotas eleitorais aos governos que com ela têm lidado.

Mas parte da população não se satisfaz com essas punições eleitorais, procura bodes expiatórios, reclama que os governantes têm de ser responsabilizados criminalmente.

Na Islândia, o primeiro ministro anterior foi levado a tribunal, por alegadamente ser responsável pela crise, mas nada me surpreendeu que o caso tivesse acabado na absolvição.



Devo desde já esclarecer que não sou contra o julgamento criminal dos políticos, aliás temos legislação que o prevê. Mas há que distinguir. Uma coisa são crimes reais e objectivos, que devem ser investigados, julgados e punidos com isenção, nos tribunais. Outra coisa são decisões políticas, tomadas muitas vezes em condições de grande incerteza, que podem agradar a uns e desagradar a outros; só que, para as decisões políticas, o julgamento normal, em democracia, é feito só pelos eleitores.

A justiça não pode ser usada para simples vingança política, não pode ser usada por aqueles que se sentem lesados por opções políticas tomadas por governos legítimos. Se assim fosse, não teríamos governantes disponíveis para tomar decisões impopulares mas necessárias. Precisamente talvez tenha sido a covardia de alguns políticos em tomar decisões impopulares, ou em resistir às reivindicações de certos grupos, que explique em parte a crise que nos afecta. Por isso, encaro com reserva a queixa feita pelo ACP contra alguns governantes a propósito das SCUT, na medida em que as decisões destes, por muito discutíveis que sejam, tenham sido tomadas no exercício legítimo dos seus mandatos.
Os governantes encontram-se muitas vezes, sobretudo em tempo de crise, perante dilemas em que têm de escolher entre dois males. O que se está a passar na Ucrânia ajuda a ilustrar o que pretendo dizer. Vai para uns quatro ou cinco anos, se bem me lembro, a Ucrânia entrou no inverno com a principal fonte de energia, gás da Rússia, cortada: o gás só seria fornecido se o preço a pagar fosse brutalmente aumentado. Ao fim de algumas semanas, com muita gente a morrer de frio (lá, o inverno é a sério), Júlia Timoshenko, então primeiro ministro, senhora de uma bela trancinha, teve de vergar-se ao novo preço. Tendo ela depois perdido as eleições, foi por isso acusada em tribunal pelos vencedores e condenada a sete anos de prisão, onde se encontra. A coisa é tão aberrante e imprópria dum país civilizado que se está a gerar um consenso entre os políticos europeus para não visitarem a Ucrânia por ocasião do campeonato europeu de futebol.
Em conclusão. Digo «sim» ao julgamento em tribunal dos políticos que tenham cometido crimes objectivos e tipificados na legislação – nesse caso, o que se exige é que os processos sejam bem feitos e cheguem a sentenças que não deixem dúvidas, para que não se caia nesta suspeição generalizada em que pagam os justos pelos pecadores. Mas digo «não» aos julgamentos que mais não são do que reflexo da luta partidária, debaixo do sentimento clubístico de que os nossos são sempre bons e honestos e os adversários é que são maus e corruptos.

Manuel M. Cardoso Leal, no 'Jornal da Bairrada' de 10 de Maio de 2012