Como agora
se confirmou na França e na Grécia, a crise continua a aplicar derrotas
eleitorais aos governos que com ela têm lidado.
Mas parte da população não se
satisfaz com essas punições eleitorais, procura bodes expiatórios, reclama que
os governantes têm de ser responsabilizados criminalmente.
Na Islândia, o
primeiro ministro anterior foi levado a tribunal, por alegadamente ser
responsável pela crise, mas nada me surpreendeu que o caso tivesse acabado na
absolvição.
Devo desde já esclarecer que não sou contra o julgamento criminal dos políticos, aliás temos legislação que o prevê. Mas há que distinguir. Uma coisa são crimes reais e objectivos, que devem ser investigados, julgados e punidos com isenção, nos tribunais. Outra coisa são decisões políticas, tomadas muitas vezes em condições de grande incerteza, que podem agradar a uns e desagradar a outros; só que, para as decisões políticas, o julgamento normal, em democracia, é feito só pelos eleitores.
A justiça
não pode ser usada para simples vingança política, não pode ser usada por
aqueles que se sentem lesados por opções políticas tomadas por governos
legítimos. Se assim fosse, não teríamos governantes disponíveis para tomar
decisões impopulares mas necessárias. Precisamente talvez tenha sido a covardia
de alguns políticos em tomar decisões impopulares, ou em resistir às
reivindicações de certos grupos, que explique em parte a crise que nos afecta. Por
isso, encaro com reserva a queixa feita pelo ACP contra alguns governantes a
propósito das SCUT, na medida em que as decisões destes, por muito discutíveis
que sejam, tenham sido tomadas no exercício legítimo dos seus mandatos.
Os
governantes encontram-se muitas vezes, sobretudo em tempo de crise, perante
dilemas em que têm de escolher entre dois males. O que se está a passar na
Ucrânia ajuda a ilustrar o que pretendo dizer. Vai para uns quatro ou cinco
anos, se bem me lembro, a Ucrânia entrou no inverno com a principal fonte de
energia, gás da Rússia, cortada: o gás só seria fornecido se o preço a pagar
fosse brutalmente aumentado. Ao fim de algumas semanas, com muita gente a
morrer de frio (lá, o inverno é a sério), Júlia Timoshenko, então primeiro
ministro, senhora de uma bela trancinha, teve de vergar-se ao novo preço. Tendo
ela depois perdido as eleições, foi por isso acusada em tribunal pelos
vencedores e condenada a sete anos de prisão, onde se encontra. A coisa é tão
aberrante e imprópria dum país civilizado que se está a gerar um consenso entre
os políticos europeus para não visitarem a Ucrânia por ocasião do campeonato
europeu de futebol.
Em
conclusão. Digo «sim» ao julgamento em tribunal dos políticos que tenham
cometido crimes objectivos e tipificados na legislação – nesse caso, o que se
exige é que os processos sejam bem feitos e cheguem a sentenças que não deixem
dúvidas, para que não se caia nesta suspeição generalizada em que pagam os
justos pelos pecadores. Mas digo «não» aos julgamentos que mais não são do que
reflexo da luta partidária, debaixo do sentimento clubístico de que os nossos
são sempre bons e honestos e os adversários é que são maus e corruptos.
Manuel M. Cardoso Leal, no 'Jornal da Bairrada' de 10 de Maio de 2012
