CONSELHOS DE MOCHO NÃO CHEGAM AO CHÃO
Uma vez o coelho e o rato encontraram-se.
- Tu tens os dentes da frente um bocado saídos - observou o rato para o coelho.
- Mas tu ainda tens mais - respondeu-lhe o coelho e deu uma corrida e foi-se embora.
- Tu tens os dentes da frente um bocado saídos - observou o rato para o coelho.
- Mas tu ainda tens mais - respondeu-lhe o coelho e deu uma corrida e foi-se embora.
O rato ficou sozinho, mas por pouco tempo. Apareceu ao pé dele uma lagartixa:
- Tu tens a cauda muito comprida - observou o rato para a lagartixa.
- Mas tu ainda tens mais - respondeu-lhe a lagartixa e deu meia volta e desapareceu.
- Tu tens a cauda muito comprida - observou o rato para a lagartixa.
- Mas tu ainda tens mais - respondeu-lhe a lagartixa e deu meia volta e desapareceu.
- Tu és muito pequena e insignificante - observou o rato para a rã.
- Mas tu ainda és mais - respondeu-lhe a rã e deu um salto e fugiu.
O rato ficou, mais uma vez, sozinho. Que tempos!
Deu um suspiro e pensou:
- Ninguém se chega a mim. Não consigo fazer amigos. Porque será?
- Ninguém se chega a mim. Não consigo fazer amigos. Porque será?
Como o rato pensava em voz alta, o mocho, que estava empoleirado numa árvore perto e a tudo tinha assistido, respondeu-lhe:
- Não fazes amigos, porque não olhas a bem para eles. Tenta proceder de outra maneira e verás os resultados.
O rato fechou os olhos e pensou:
- Quando encontrar o coelho vou dizer-lhe que gostava de ter as orelhas tão compridas como as dele.
- Não fazes amigos, porque não olhas a bem para eles. Tenta proceder de outra maneira e verás os resultados.
O rato fechou os olhos e pensou:
- Quando encontrar o coelho vou dizer-lhe que gostava de ter as orelhas tão compridas como as dele.
Como pensava em voz alta, o mocho ouviu tudo e agitou-se, no seu poleiro. Estava nervoso e com vontade de intervir, mas o rato continuava:
- E quando encontrar a lagartixa vou dizer-lhe que gostava de arrastar a barriga pelo chão como ela arrasta.
- E quando encontrar a lagartixa vou dizer-lhe que gostava de arrastar a barriga pelo chão como ela arrasta.
Mais uma vez o mocho se enervou e ia falar, mas o rato prosseguia os seus pensamentos:
- Quando encontrar a rã vou dizer-lhe que gostava de ter a pele escorregadiça e fria como a dela.
- Quando encontrar a rã vou dizer-lhe que gostava de ter a pele escorregadiça e fria como a dela.
O mocho não podia aguentar mais disparates e indignou-se:
- És tolo, duas vezes tolo, rato! Há elogios que matam. Não podes valorizar o que os teus amigos consideram defeitos. Vê se te emendas ou nunca encontrarás quem goste de andar contigo.
- És tolo, duas vezes tolo, rato! Há elogios que matam. Não podes valorizar o que os teus amigos consideram defeitos. Vê se te emendas ou nunca encontrarás quem goste de andar contigo.
O rato virou-se para ele e apreciou-o em silêncio. Depois, pensou em voz alta:
- O senhor mocho dá conselhos com muito acerto, apesar de ser tão feio.
- O senhor mocho dá conselhos com muito acerto, apesar de ser tão feio.
Dito isto, foi-se embora.
Ficou o mocho a pensar, também em voz alta:
- Este rato não tem emenda. Se em vez de ter estado a aturá-lo o tivesse comido, eu tinha feito melhor. E tinha prestado um grande serviço ao resto da bicharada, porque este rato por onde passar só vai causar aborrecimentos. Eu é que fui parvo em poupá-lo, em vez de papá-lo.
- Este rato não tem emenda. Se em vez de ter estado a aturá-lo o tivesse comido, eu tinha feito melhor. E tinha prestado um grande serviço ao resto da bicharada, porque este rato por onde passar só vai causar aborrecimentos. Eu é que fui parvo em poupá-lo, em vez de papá-lo.
E se os mochos gostam de ratos! Mas desta feita o jantar já ia longe.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui
