Aí há uns nove anos, numa tarde soalheira como a de ontem, a
minha mulher interrompeu a edição da secção de Economia do JN, na altura a meu
cargo, para me dizer que estava grávida do Tomás, o nosso primeiro filho.
Lembro-me de quatro coisas: lembro-me de o meu coração ter pulado com
sofreguidão durante largos minutos; lembro-me do tom de voz dela; lembro-me de
ter contado a novidade ao meu colega Pedro Araújo; e lembro-me da música que
tocava em fundo, quando ouvi aquelas mágicas palavras: "Often a bird", do
compositor Wim Mertens.
Durante duas horas de puro deleite, recordei, uma e outra vez, o Tomás e o
Rodrigo (o meu segundo filho), é verdade. Mas, sobretudo, olhei para a
Orquestra, para Mertens e para Rui Massena como uma espécie de metáfora daquilo
que a União Europeia (UE) hoje não é e deveria ser.
No palco estavam 61 pessoas - o maestro, o pianista e 59 músicos recrutados
um pouco por toda a Europa, a grande maioria jovens entre os 18 e os 25 anos
que, a troco de uma remuneração mediana, decidiram experimentar viver num outro
país, longe da sua zona de conforto, como agora se diz. Mais e mais importante:
o que saía daquela panóplia de instrumentos era fruto da harmonia nos objetivos
e do profissionalismo de altíssimo nível aplicado por cada um para que a
perfeição (ou a tangente a ela) fosse alcançada. E foi.
Wim Mertens dissera ao JN que nunca tinha tocado com uma tão jovem orquestra,
pelo que o desafio era grande. Ou melhor: era gigante, na medida em que o belga
mandara qualquer coisa como 30 quilos de pautas (!) para a orquestra ir
trabalhando.
Quer dizer: a arte de um experiente pianista, aliada ao saber de um
experiente maestro, tocada por uma jovem orquestra redundou num grande
espetáculo. O nosso drama, no espaço da União Europeia, é que os maestros e os
pianistas são, cada vez mais, de baixo calibre. Logo, as orquestras que comandam
(governos e instituições europeias) não podem estar afinadas nos objetivos, ora
por não os saberem definir, ora por serem incapazes de, definindo-os, se
juntarem em busca do bem comum.
Talvez pudéssemos pegar nos 30 quilos que pesam as pautas feitas por Mertens
para este concerto e com elas açoitarmos os líderes europeus que, desafinados,
nos vão encaminhando para um lugar sem retorno - uma Europa politicamente fraca
e economicamente frágil. Há muito açoite para dar...
Paulo Ferreira, aqui