Terá muitos defeitos - do caciquismo distribuidor de benesses aos acólitos até ao desprezo pela preservação paisagística e arquitetónica - mas é indiscutível: no enorme pulo dado por Portugal no pós-25 de Abril o municipalismo é o principal responsável pelo progresso e bem-estar das populações.
Há, evidentemente, vários tipos de autarcas. Uns estão dispostos ao investimento em infraestruturas essenciais mas "invisíveis", isto é, pouco suscetíveis de darem no olho e, como tal, garantirem o sucesso em eleições - o caso do saneamento básico, "dinheiro enterrado", como alguns dizem, é paradigmático; outros são mais dados a fogos fátuos, delapidando os dinheiros públicos em obras de fachada, lindinhas, captadoras de votos - e as famosas rotundas construídas por tudo e por nada são uma praga de norte a sul do país.
Dos prós e contras do balanceamento da gestão dos 308 municípios sobra entretanto uma garantia: o acumular de uma dívida expressiva - ainda assim uma gota de água perante outro tipo de défices, como o das empresas públicas de transporte, por exemplo.
É excessivo ou razoável o endividamento global dos municípios portugueses?
Existindo hoje em Portugal a tendência para considerar todos os défices uma barbaridade a que há que pôr cobro, cada caso é um caso. As contas de muitos municípios são irrepreensíveis e os desequilíbrios de outros tantos só foram possíveis por falta de controlo, seja por não se terem retirado consequências a cada ciclo eleitoral seja por falta de órgãos de gestão intermunicipal atuantes e dotados de poder deliberativo - e basta perceber como foram desperdiçados milhões de euros no nascimento, como cogumelos, de infraestruturas desportivas a polvilharem zonas minúsculas, freguesia a freguesia, para se concluir pelo desbaratamento de recursos.
Os erros existiram, é verdade, mas a par de enormes virtudes, a começar pela boa resposta, em esforço, à sucessiva transferência de responsabilidades do poder central para o autárquico, da gestão de escolas a transportes ou a apoios sociais, sem que tenham a elas correspondido idênticas transferências financeiras.
Aqui chegados, faz sentido refletir sobre as dívidas acumuladas pelas autarquias? Faz. Ainda que seja impressivo de um país que parece viver à bolina e segundo quintalinhos o pedido realizado pelo Governo para que cada uma das autarquias forneça preto no branco os balancetes corretos das suas contas. Tal solicitação só pode ter uma de duas leituras, de facto: ou o regabofe é mesmo verdadeiro e não há uma estrutura central capaz de saber onde estão as derivas financeiras do país ou, então, há uma tentativa de encontrar um bode expiatório (mais um) para o défice público. A estas duas alternativas soma--se outra, bem mais benigna, e na qual é difícil acreditar: a Administração Central pretender baixar as dívidas das autarquias pagando-lhes os balúrdios que lhes deve.
Fernando Santos, aqui