Sou careca. É de família. O meu pai era calvo. E o meu tio não é exatamente
um Beatle.
Há uma dúzia de anos, ao reparar que em vez de ficarem brancos os
meus cabelos caíam, desistindo da vida, jurei que nunca seria daqueles carecas
envergonhados que recorrem a complicadas obras de engenharia para encobrir as
misérias.
Sempre me incomodaram as vãs tentativas de mascarar um crânio calvo usando um
único e enorme cabelo (que às vezes suspeito ter origem no sovaco) que se
desenvolve em infinitas circunvalações que só uma poderosa laca pode manter
intactas e coladas a um couro cabeludo desprovido de cabelo.
Sempre que me falam em dinheiro bem gasto, vêm-me logo à cabeça os seis
contos (cerca de 30 euros) investidos na boa e velha Philishave que me pouparam
mais de 300 idas ao barbeiro (minhas e dos meus filhos Pedro e João) - mas
também o pornográfico desperdício de dinheiro pelos nossos governos.
A apertada curva em que fomos apanhados deve-se essencialmente ao facto de
termos malbaratado a chuva de dinheiro da UE, que beneficiou capitalistas sem
capital, empresários de água doce que vivem e prosperam à custa de jeitos,
favores e influências - em vez de ser aplicado a financiar empreendedores que
não temem o risco e as exigências das apostas de longo prazo.
O conúbio de interesses e a partilha de despojos elevaram os serviços e a
construção à condição de favoritos do regime, como o demonstram os dados do
Banco de Portugal - em cada cinco euros de crédito concedido, 3,5 euros foram
para a construção, habitação, imobiliário e obras públicas, e apenas 30 cêntimos
para o setor transformador - e a vergonhosa derrapagem das obras da Parque
Escolar, em que cada escola custou cinco vezes mais que o previsto.
O dinheiro de Bruxelas foi desperdiçados em áreas não produtivas, com
destaque para infraestruturas (os 386 milhões gastos na A32, que está às moscas,
são o exemplo mais recente), em vez de ser investido no setor transformador
Desde a entrada na CEE, os governos PS e PSD construíram uma sociedade cada
vez mais desigual na distribuição de riqueza, com o Poder Político, Económico e
Administrativo cada vez mais concentrado na capital, e diferenças abissais de
desenvolvimento entre as várias parcelas de um país falido.
Não temos muito tempo para arrepiar caminho. Neste contrarrelógio, gastar bem
significa corrigir os desequilíbrios regionais e investir os escassos recursos
que nos restam no apoio à exportação, apostando na produção de bens
transacionáveis, em energias limpas e numa rede eficaz de transportes públicos.
Tudo numa lógica low cost, sem luxos, nem desperdícios.
Jorge Fiel, aqui