A organização municipal, em Portugal ainda na idade média e no Brasil depois, enraizou-se e fortaleceu-se – no Brasil, aliás, foi fundamental na organização dos Estados e do Estado Federal – a partir da eleição de pessoas para os cargos políticos regionais e locais entre os denominados “homens bons”.
“Homens bons” eram “portugueses de boa instrução e prestígio”, isto é, eram cidadãos, como diríamos hoje, com boa preparação académica, conhecedores das problemáticas locais e que nas comunidades em que estavam inseridos eram tidos e conceituados e gozavam da consideração e público reconhecimento dos seus concidadãos.
A história diz-nos que foram estes homens os cabouqueiros e os mentores da organização política dos municípios e do Estado brasileiro. Foram fundamentais na organização política do território, tanto mais que o centralismo instalado no Rio de Janeiro de maneira nenhuma podia dar resposta às necessidades das populações e ao desenvolvimento e progresso sempre desejados naquele imenso território da América do Sul.
Esta parte da história política de Portugal e do Brasil, sugere-me que vivemos hoje em Portugal, como é consabido, uma tão complexa e difícil situação (económica, social, cultural, de princípios e valores), que se torna necessário mobilizar os melhores, homens e mulheres. Não para fundar o Estado, os Municípios ou as Regiões. Mas antes para os suportar, para os valorizar, para os dignificar, para dar aos seus órgãos institucionais e ao serviço público a força, a qualidade e o prestígio de que tão necessitados estão.
Admito que haja quem sustente que esta ideia dos “homens bons” é passadista e revivalista (aliás, é moda; no cinema, p. ex., está a ser lançado com grande sucesso internacional um filme que recuperou o cinema mudo e a preto e branco!). Todavia, a ideia ocorre-me porque me parece muito notório que há, cada vez mais, um deficit de participação na vida pública e política de pessoas com o perfil dos referidos “homens bons”.
Uma certa mercantilização da atividade política, a precaridade e forte exposição dos cargos políticos, o excesso de mediatização e o contributo desprestigiante de alguns políticos, entre outras razões, tudo tem contribuído para o afastamento de muitas pessoas de valor, de prestígio e qualificadas para a participação na vida pública e política.
Isso é muito sensível e visível, obviamente na organização do Estado Central, mas sobretudo nos municípios e nas Regiões do nosso País que, para se manterem fortes, verdadeiramente autónomos e reivindicativos como devem ser face ao poder central, têm de ter líderes e pessoas prestigiadas, bem preparadas, combativas e conhecedoras das realidades locais e regionais, das pessoas e dos problemas concretos que as apoquentam.
Nesta época de incerteza, instabilidade e de grandes dificuldades é muito importante, decisivo até, haver boas lideranças políticas ao nível local e regional, para a afirmação das comunidades locais e para o processo de desenvolvimento.
O País no seu todo só tem a ganhar com responsáveis de municípios e regiões que sejam líderes sabedores, conhecedores, respeitados, lutadores, que se identifiquem completamente com as necessidades e anseios dos seus concidadãos, que sejam ousados, tenham visão e, importante, não sejam subservientes ao poder central instalado no Terreiro do Paço, aliás, historicamente dominador e sobranceiro face aos municípios e às regiões.
Na atual organização política do nosso País os partidos políticos têm grande parte da responsabilidade nas escolhas dos melhores, mas também os cidadãos em geral, através da sua participação cívica, máxime através do voto, são decisivos e fundamentais na escolha e eleição dos melhores para a causa pública, dos “homens bons” do século XXI, mesmo que isso possa parecer ou seja mesmo elitismo. Aqui e agora, necessitamos muito que os melhores nos governem.
Armando França, no 'Jornal da Bairrada' de 16 de Favereiro de 2012