quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A SAGA DO BRASÃO DO SILVEIRO - PARTE I V: À RODA DE UM BRASÃO

Lemos atentamente a carta escrita pelo Sr. Alberto Ferreira Pinto Bastos Esteves sobre a crónica breve e sucinta que escrevemos sobre a pedra de armas existente no Silveiro, precusamente na casa do seu bisavô, Augusto Valério Ferreira Pinto Basto, que aí viu nascer uma filha em 1838.

Nas linhas que esbocei deixei que os nomes que se podem ler nessas armas são os dos Cabrais, dos Sás e dos Mouras, não conseguindo decifrar o segundo quartel que exibe seis esporas e que me parecem ser umas armas espanholas que terão sido exibe palavras usadas indevidamente neste caso, porquanto nunca foram registadas no Rei de Armas.

Também deixei escrito que a cartela decorativa é perfeitamente ao estilo do século XVIII e vimos uma pedra de armas, em tudo semelhante, em casa do Sr. Luís Costa, em S. João de Azenha, tendo sido informado que veio de uma demolição levada a cabo em Águeda ou arredores. O facto leva-me à simples dedução que a Quinta do Silveiro era da mesma família que possuía outra Casa em Águeda e isso bem antes dos irmãos Cabrais, tão citados na carta do Sr. Pinto Basto Esteves, virem à luz do dia.

Que me perdoe o Sr. Pinto Basto Esteves, mas é um erro grave resumir a pedra de armas esquartelada num só nome (Cabral) e deduzir que ela tem de estar ligada ao ministro Bernardo da Costa Cabral, Marquês de Tomar e causador de tanta polémica no século XIX. Lembro apenas que este nasceu em Fornos de Algodres e as suas origem eram bem modestas, querendo, quem esmiuçou a sua árvore genealógica, que tenham ganho este nome ilustre, adoptando o nome de um padrinho de seu pai ou avô.

A família Cabral bem merece uma memória mais detalhada, pois tem o seu início com Pedro Anes Cabral, porteiro e reposteiro-mór de Afonso III, no ano de 1271. Porém, salientar-se-ão o Bispo da Guarda, D. Gil Cabral e de Álvaro Gil Cabral, este casado com a filha única e herdeira de Diogo Afonso de Figueiredo e de sua mulher, Constança Rodrigues Pereira, sendo, portanto, uma neta do mesmo Afonso III de Portugal. Álvaro Gil Cabral foi alcaide-mor da Guarda e ganhou o epíteto do “Muito Pão“ por uma história singular que merece memória.

Durante a crise dinástica de 1383/1385 e defendendo a cidade da Guarda, levantaram os castelhanos cerco às muralhas, vivendo-se dias, de míngua e privações dentro dos muros e resistindo portugueses com muitas carências. Durante o cerco muito tempo e denotando o cansaço nos sitiantes, Álvaro Gil mandou vir a última farinha existente na cidade e mandou fazer uma cesta de pães, arremessando-os por sobre as muralhas para o arraial castelhano, dizendo aos gritos que na Guarda ainda havia muito pão, podendo dar ele algum aos homens de Castela. Pegou o ludíbrio e levantou o cerco o inimigo. O “Muito Pão“ jaz na Sé-Velha de Coimbra em campa, em campa rasa com as suas armas esculpidas na lápide sepulcral, na nave do Evangelho.

Mas a pedra de armas do Silveiro luz também as armas dos Sás. Começa esta família com Rodrigo Anes de Sá, casado com D. Maria Rodrigues de Avelar, pais do Rodrigues de Sá, fidalgo da corte do rei D. Dinis e senhora das vastas terras no julgado de Lafões, bem mais perto do Silveiro que Fornos de Algodres. Deste foi filho João Afonso de Sá, contemporâneo de D. Afonso IV e de D. Pedro I, senhor da quinta de Sá, no termo de Guimarães e que muitos genealogistas apontam como o primeiro da Família. Casou com D. Teresa Rodrigues de Berredo de quem teve vários filhos de apelido Sá que difundiram o apelido e fundaram vários solares.

As armas do Silveiro também luzem nas armas dos Moura e não será preciso lembrar que, na capela da Vista Alegre guarda-se o túmulo do Bispo de Miranda, D. Manuel de Moura Manoel, obra de cantaria do célebre francês Claude Laprade. Começou esta família com D. Álvaro Rodrigues e seu irmão D. Pedro Rodrigues, que conquistaram Moura aos Sarracenos em 1166. D. Pedro teve vários filhos, entre os quais Martim Rodrigues que, antes de tornar-se freire de Calatrava, teve dois filhos D. Pedro Martins e D. Álvaro Martins. O primeiro pai de Vasco Martins, senhor da vila de Moura, por mercê da Rainha D. Beatriz, mulher de D. Afonso III. Vasco Martins casou com D. Maria Dias de Góis e instituíram um vínculo no ano de 1264. Devido à conquista de um lugar chamado Serrão, não muito longe de Moura, usou este nome Vasco Martins, mas os seus filhos chamaram-se Moura e espalharam o apelido por muitas casas nobres do reino de Portugal. Recordo apenas que anda esse nome difundido em muitas famílias, usando estas armas, como é o caso dos Coelhos de Moura que apareceram em Beijós (Carregal do Sal) em 1624, gente de confiança de Filipe II e que fundaram vários solares da região.

Tudo isto leva-me à conclusão que a quinta do Silveiro pertenceu a uma Família que teve bastantes terras na região, durante o fim do Antigo Regime e ter-se-ão mantido fiéis ao regime absolutista. Daí a sua decadência e daí terem começado a vender os seus bens em 1834. Augusto Pinto Basto era já senhor dela em 1838, tendo-se mantido a pedra de armas do anterior proprietário. Descobrir os seus nomes não é tarefa tão fácil quanto o Sr. Pinto Basto Esteves imagina. Grande parte dos livros dos concelhos foram destruídos no fim do Antigo Regime e mantêm-se apenas os forais, na sua maioria do tempo de D. Manuel II (início do século XVI), quando essas famílias ainda não haviam fundado as suas casas. Seria necessário proceder à leitura dos livros do registo de baptismos, casamentos e óbitos da freguesia onde os membros da Família se encontravam e bem se sabe que os de Águeda parece que foram na sua grande maioria queimados pelos franceses quando estes por lá passaram em 1810. As contribuições autárquicas foram uma inovação do Liberalismo, uma vitória revolucionária que antes não existia e, portanto não existem esses livros de registo. As vendas de propriedade de raiz ou bens fundiários eram contratos na sua grande maioria orais, onde a idoneidade dos intervenientes não era posta em causa. Registo civil não existia e este só apareceu em 1910, tendo-se ido às igrejas usurpar ou roubar livros de registos já citados.

Creio ter exposto razões de sobra para justificar tudo o que escrevi e também aquilo que omiti. Mas as ideias estão lançadas e aberto o diálogo sobre essa pedra de armas, podendo cada um fazer uma investigação e vir neste “ Jornal da Bairrada “ expor as suas descobertas

Eduardo Proença-Mamede, no 'Jornal da Bairrada' de 27 de Setembro de 2011.