segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A DOUTRINA DO CASTIGO

1. Ia ser a cimeira definitiva, e tudo aponta para que, de facto, tenha sido.

Parece claro que se desistiu definitivamente do euro, da Europa, e se deram importantes passos para que a democracia seja o próximo pilar do sonho europeu a ruir.

Os líderes europeus concordaram que a melhor maneira de sairmos da crise económica é agravá-la ainda mais. A austeridade está a criar desemprego, falências, pobreza? Claro que sim, então vamos apostar em ainda mais austeridade e criar mais recessão.

É que é esta a única conclusão da bendita cimeira. Não serão com certeza as constitucionalizações dos limites dos défices ou as multas automáticas para os incumpridores que gerarão crescimento económico ou farão os défices baixar. Ou melhor, os défices baixarão, não existirá é economia.

A cada dia que passa, cresce a sensação de que estamos nas mãos de gente muito parecida com aqueles comunistas que assistindo ao colapso do império soviético defendiam que o mal não era o sistema, era não se ter ido ainda mais longe na sua implementação.

Os líderes europeus portaram--se como um médico que vendo o paciente a morrer da doença do legionário decide tratar uma dor de estômago. Ninguém nega a necessidade de controle orçamental, mas focar toda a estratégia dum espaço económico apenas nisso é um suicídio, uma absoluta loucura. Sobretudo quando é hoje transparente que a crise das dívidas soberanas advém de uma crise sistémica e não do descontrolo orçamental.

Não é preciso ir muito atrás na história da Europa para descobrirmos momentos em que comunidades inteiras falharam, em que países semearam a destruição, em que se cometeram as mais terríveis atrocidades. Fossem, após esses acontecimentos, merkels e sarkozys a decidir o futuro e ainda tínhamos os povos responsáveis por esses, muitas vezes, colossais erros de castigo. É, no fundo, o que está a ser feito. Estamos na presença de uma nova teoria: a doutrina do castigo. Há que castigar milhões e milhões de pessoas, pô-las no desemprego, falir empresas, recuperar as sopas dos pobres. E porquê? Porque se portaram mal.

Quando, em Janeiro, a Itália for ao mercado tentar colocar dívida num valor sete vezes superior ao pacote inteiro de ajuda a Portugal e os mercados torcerem o nariz, virá alguém dizer: "Não, planos para crescer não temos. Não, medidas para criar riqueza não há. Mas estamos a castigar a malandragem que andou para aí a gastar à tripa forra. Não chega?"

2. Os verdadeiros objectivos da construção europeia eram, no princípio, singelos: manter a paz num continente que nunca a tinha conhecido por muito tempo e garantir o apoio dos povos à democracia. Os homens que a imaginaram sabiam que para preservar a paz e instaurar a democracia era fundamental garantir boas condições de vida aos cidadãos, fazer crescer a economia, assegurar uma razoável distribuição da riqueza, manter baixos níveis de desemprego.

O plano Marshall foi, por exemplo, um instrumento político essencial para garantir os meios sem os quais a paz e a democracia liberal pouco tempo subsistiriam. Trazer isto à colação parece despropositado, mas, infelizmente, não é.

A memória parece não ser o forte de quem hoje tem a responsabilidade de guiar os destinos dos povos europeus. Não poucas vezes, temos a sensação de que esta gente tem como garantida a irreversibilidade da paz e da democracia na Europa. Esquecem--se de que a miséria e o desemprego são os maiores rastilhos para a procura de soluções ditatoriais, para o crescimento de sentimentos xenófobos, para o endeusamento dos demagogos e dos populistas. Na Europa, aliás, nunca escassearam.

A manter-se tudo como até agora, faltará pouco para ouvirmos slogans contra essa tal de democracia que só traz fome e desgraça. Vai ser tarde demais.

Pedro Marques Lopes, aqui