Portugal deixou de ter condições morais, sociais, culturais, económicas e políticas para ser independente.
É compelido a ir a reboque, a acatar o que lhe é imposto de fora, a dar o corpo ao manifesto, a arquejar sob a carga fiscal.
A população vai ficar agrupada em magotes de macambúzias criaturas à deriva.
É uma gente desgovernada que perdeu toda e qualquer noção dos valores e da sua própria história, cuja ligação à língua que fala e à sua própria tradição cultural se tornou um desconchavo inqualificável, cujas qualificações não prestam para nada, cuja economia está destruída, cuja qualidade de vida, já de si escassa, se foi para não voltar. O Estado sustentava-lhe a maior parte dos vícios e agora deixa de poder fazê-lo.
Depois de terem caído em escandalosas contradições entre o que sucessivamente prometeram e o que sucessivamente fizeram, os partidos moderados que formam o Governo, no seu atarantamento de não saberem lidar com os terríveis parâmetros da crise, mostram uma certa coragem face à impopularidade total das medidas que se vêem forçados a tomar. E estão a tomá-las, embora aos soluços, tornando o horizonte de cada dia pior do que o da véspera. Mas só confirmam com elas que Portugal está num beco sem saída.
Se as coisas chegarem a um certo extremo, o Governo não terá força para fazer acatar as medidas que anuncia. A falta de convicção quanto à sua própria autoridade está bem patente na atitude escandalosamente passiva e resignada com que (não) reagiu a apelos à insubordinação das forças armadas ainda há bem poucos dias. Também não terá mão nas polícias, assim como estas não garantirão a segurança de pessoas e bens em casos de aguda conflitualidade social. E se houver muitas fitas nessas áreas, que ninguém tenha dúvidas: a Europa fechará a torneira de vez.
Outro partido que se diz moderado, o PS, divide-se entre a indignidade pantomineira de enjeitar as suas próprias responsabilidades pelo estado a que isto chegou e o mal-estar de ter de aceitá-las na forma e no fundo, cooperando com o Governo no cumprimento dos compromissos assumidos perante a troika. Numa emergência de profunda crise nacional e europeia, o PS, se continuar assim, acabará discretamente abandonado pela própria Internacional Socialista, que terá coisas bem mais importantes com que se preocupar em vez dos estados de alma e dos trejeitos da Rua da Emenda.
Os partidos radicais vociferam a torto e a direito. A conjuntura dá-lhes excelentes oportunidades junto das várias corporações ferozmente sindicalizadas do sector público e de uma população analfabeta e calaceira. Foi anunciada uma greve geral, antecedida de outras ruidosas manifestações. Mas como essas trepidações de ódio exacerbado e constrição ideológica não resolvem absolutamente nada, antes pioram tudo e ainda agravam mais a situação, não é por aí que o país se salva.
Entre apelos à insubordinação, debilidades, passividades, medidas desesperantes e ineficácias de vária ordem da parte do poder constituído, tontas coreografias do PS e acirradas palavras de ordem das esquerdas, Portugal vai ter um lindo enterro.
Entretanto, na Europa prepara-se um escanzelado federalismo financeiro da zona euro, comandado pela Alemanha, sem atender aos outros aspectos estruturantes de um sistema federal. Como esses aspectos são, por razões históricas e civilizacionais, absolutamente decisivos, toda a gente sabe que, a despeito da matriz cristã comum, o federalismo não será possível tão cedo numa Europa de guerra civil permanente (Fustel de Coulanges dixit), conflitos crónicos de vizinhança, divergências culturais e linguísticas intransponíveis, interesses geopolíticos diametralmente opostos, sem nenhuma espécie de vivência política europeia interiorizada e parti- lhada enquanto tal pela grande maioria dos seus 400 milhões de habitantes. Vai ser um desastre.
Será a alavanca alemã a comandar as operações, a ditar a política financeira, a política económica e a política externa, a sobrepor-se às veleidades nacionais dos Estados membros. A França voltará a encolher-se. A Inglaterra assobia para o lado. A Espanha e a Itália ficam a olhar. Até a Grécia dirá que não é... a Grécia. A história repete-se. Ficaremos andrajosamente sós. Quando a Europa puxa o autoclismo, a independência e a soberania de Portugal vão pelo cano abaixo
Vasco Graça Moura, aqui