A crise que atravessamos talvez nos possa devolver valores da vida pública como a da simples honestidade na manipulação dos números.
Enquanto vivemos o tempo das vacas gordas, pouco nos importámos com os números comparativos das duas grandes colunas da vida: receita e despesa.
Nesses tempos, ninguém se importou com as contas porque havia sempre um banco disposto a emprestar dinheiro contra não importa quais garantias.
E se isto existiu para os particulares e as empresas privadas, maior foi certamente o regabofe no que respeita ao sector empresarial do Estado, em que compadrios entre políticos e gestores tornaram o acesso ao crédito ainda mais fácil, irracional e propenso a todos os desvios, incluindo os criminosos.
Nesses tempos, ninguém se importou com comparações. Por exemplo: se o metro do Porto nos custava mais ou menos que o de Lisboa. Todos, ou quase todos, se calaram: uns na expectativa de não perder côdea dos benefícios do Estado, outros acumulando ardilosamente o capital de culpa necessário à responsabilização política e à obtenção de novos favores ou à renovação de velhas posições de privilégio.
Agora, que vivemos em tempos de vacas magras, eis que fazer continhas e compará-las volta a estar na moda. E até a servir de arma de arremesso político.
Eis-nos, assim, chegados a um tempo em que talvez esteja de volta o simples e velho hábito das boas contas. Ou, como ouvia em menino, "contas à moda do Porto", cujo significado era o de que cada um pagava a sua parte e ninguém ficava a dever nada a ninguém quando a despesa era de grupo. Nem mais, nem menos...
Se a crise nos conseguir devolver esse valor da vida em comum vamos certamente assistir a pungentes revelações de topo o tipo de traiçoeiras aldrabices com que muitos actores da nossa sociedade têm levado a água ao seu moinho - e ao moinho dos seus amigos.
Deste ponto de vista, temos de agradecer o estudo do professor João Carvalho, da Universidade do Minho, ontem apresentado, sobre as dívidas do sector empresarial do Estado.
Porque João Carvalho faz-nos perceber a dimensão do problema de endividamento do Estado que vamos ter de pagar: precisaríamos de 20 anos para pagar a dívida de curto prazo da Refer, se puséssemos hoje o contador a zero e atribuíssemos a actual facturação da empresa à tarefa e ao objectivo exclusivos de torná-la sã.
E porque nos aclara que sobre a dimensão relativa das despesas, acabando com a tese de que todos pecamos por igual: para pagarmos o mesmo tipo de dívida do metro do Porto precisaríamos de dois anos e para pagar a do metro de Lisboa de seis
Manuel Tavares, aqui