sábado, 1 de outubro de 2011

NÃO SERÁ À VONTADE DO FREGUÊS

Gostei de ouvir o secretário de Estado da Administração Local numa entrevista à TSF.

Explicou que, mais importante do que reduzir as freguesias, é tornar o ordenamento autárquico mais racional. E, mais interessante, percebeu-se que sabe distinguir entre a mera matemática dos cortes e razoabilidade das decisões.

Começando por dizer o óbvio: freguesias urbanas, rurais, predominantemente urbanas, em sedes de concelho ou em zonas isoladas do interior não são a mesma coisa e não se lhes pode aplicar os mesmos critérios. Estranho que dizer uma evidência mereça aplauso. Mas nos tempos que correm, em que os cortes e o populismo mais básico andam de mão dada, é uma lufada de ar fresco.

E disse mais: que a fusão de municípios será voluntária. Mas neste caso trata-se de cautela política. Num país sem tradição regionalista, o municipalismo tem uma extraordinária capacidade de resistência. Tentasse o governo acabar com um e teria mais revolta na rua do que com todas as medidas socialmente criminosas que anda a tomar. Há guerras que são fáceis de aconselhar, quando se aterra num País, mas bem mais difíceis de travar por quem tem de por cá continuar.

Há, no que toca ao número de freguesias, inúmeras irracionalidades que resultam mais da inércia e da resistência de minúsculos poderes do que de uma necessidade ou, sequer, da vontade popular. Duvido que os pouco mais de 120 mil barcelenses façam questão em ter 89 freguesias. Nunca foi por vontade dos lisboetas, tradicionalmente mais identificados com os seus bairros do que com as freguesias - que nem correspondem a grande coisa -, que a capital tem 53 presidentes de Junta, enquanto o Porto se satisfaz com 15. Tem muito mais a ver com os minúsculos líderes locais que não querem perder o seu pequeno lugar de prestígio.

Como se sabe, a Câmara de Lisboa decidiu avançar com a fusão de freguesias. Algumas com tão poucos eleitores que nem listas partidárias com moradores ali se conseguem fazer e nem a porta aberta, com horários normais, conseguem ter. As populações ficam, como é evidente, a ganhar com esta decisão. Em proximidade. Porque freguesias com alguma dimensão podem ter meios humanos e financeiros para fazer mais do que tratar de uns canteiros e passar umas certidões. Uma realidade bem diferente é a de quem tem de viajar quilómetros para ir à sede da Junta.

Mas note-se que foi Lisboa, e não o poder central - quem não vive na Capital tem a tendência para confundir as duas coisas -, que decidiu avançar com este processo. E é natural que, conhecendo as idiossincrasias da cidade, tenha decidido melhor do que um qualquer burocrata do ministério que seguisse critérios muito rigorosos mas pouco conhecedores da realidade local. Por isso, parece-me que o mais inteligente seria dar às autarquias um prazo decente para elas próprias fazerem as suas propostas, com base nos critérios propostos pelo governo. Claro que muitos autarcas dispensam este fardo que lhes pode, em alguns lugares, custar votos. É mais fácil culpar o Terreiro do Paço por cada decisão.

Mas infelizmente, a política, hoje, resume-se a cumprir um memorando feito por quem, sobre economia só exige disparates e sobre o resto conhece apenas o aeroporto da capital onde aterra. Estamos entregues a isto: políticos fracos que cumprem ordens de burocratas ignorantes. Neste caso, a decisão do governo não podia estar mais correta. Mas o memorando exige rapidez e isso pode estragar tudo.

Daniel Oliveira, aqui