terça-feira, 4 de outubro de 2011

ERA UMA VEZ...

DUAS MARGENS
Eram duas margens, com um rio a separá-las. Que tolice! Se não houvesse um rio entre elas, como poderiam ser duas margens?

A margem de lá dizia para a margem de cá:
- És mesmo feia. Quanto mais olho para ti, mais me admiro que possa haver terra tão sem graça.
- Vira-me as costas - respondia-lhe a margem de cá. - Até me fazias um favor, porque escusava de ver a tua cara horrível.

Passavam o tempo nisto. Insultavam-se constantemente, enquanto o rio, sem lhes ligar, corria a seus pés.Barcos e barquinhos atravessavam-no de uma para a outra margem, indiferentes ao despique interminável. Para os barcos e para as pessoas que neles viajavam, as margens não eram bonitas nem feias, mas pontos de chegada ou de partida.Só uma vez por outra, um turista as retratava na sua máquina fotográfica, comentando:
- Bela paisagem ribeirinha...

Qualquer uma das margens que ouvisse diria que, certamente, era dela que o turista falava. Duas presunçosas, afinal.

Até que foi projectada uma ponte para ligar as duas margens. Os trabalhos começaram e já iam bastante adiantados quando uma das margens disse para a outra:
- Andam a levantar esta ponte para chegarem mais perto de mim.

A outra enxofrou-se:
- Qual quê?!

A ponte é para dar acesso ao meu lado.
- Não é!
- É!
- Não é!

Farto das discussões, o rio interpôs-se e disse, na sua voz pausada de rio de águas mansas:
- Esta ponte destina-se, como todas as outras pontes, a juntar as duas margens.

Vocês vão ficar mais perto uma da outra, vejam se se entendem.

Elas calaram-se. A ponte crescia a olhos vistos. Era uma grande e bela ponte.

No dia em que foi inaugurada, houve foguetes, música, discursos.

As duas margens estavam enfeitadas com bandeiras e cheias de gente a acenar de margem para margem.
- É um dia inesquecível para nós - disse o rio para ambas as margens. - Um dia maravilhoso.

E elas, sentindo-se espelho uma da outra, concordaram.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui