Anteontem, dia feriado e de calor, a televisão lá foi à praia avaliar o estado de espírito dos veraneantes de Outono.
Uma das entrevistadas disse maravilhas da canícula e, perguntada sobre a crise, a incontornável crise, disse qualquer coisa deste género: "Já se nota muito, mas para o ano é que vai doer".
O povo é, de facto, sábio - ontem, o Boletim Económico do Banco de Portugal (BdP) mostrou como esta máxima continua válida.
Telegraficamente, o documento do BdP diz que:
I) a recessão vai aumentar em 2012 (coisa de que, nós, o povo, já desconfiávamos). Nem a troika esperava andamento tão mau;
II) o consumo privado recuará 3,6%, coisa de que nós, o povo, também já desconfiávamos, uma vez que, sem dinheiro no bolso e com os cartões de crédito estoirados, fazer compras além do estritamente necessário passou a ser uma impossibilidade lógica, ou uma loucura ilógica;
III) o investimento público cairá acima dos 10%, coisa de que nós, o povo, igualmente desconfiávamos;
IV) o rendimento disponível das famílias afundará, coisa de que nós, o povo, tínhamos a certeza;
V) o desemprego continuará galopante, na exacta medida em que uma economia anémica não consegue criar postos de trabalho;
VI) e, finalmente mas não menos importante, as exportações das nossas empresas (aquela que tem sido a manivela da economia) crescerão menos do que o esperado, coisa de que os nossos empresários também desconfiavam.
É um retrato aflitivo, uma espécie de aguardado murro no estômago. Quer dizer: já o esperávamos, tentámos encaixá-lo, mas dói na mesma. E, como disse na televisão a veraneante de Outubro, vai doer mais no próximo ano. E talvez mesmo ainda mais no seguinte. Em bom rigor, quem se atrever a dizer que a crise acaba dentro de dois ou três anos, estará simplesmente a mentir. Não sou eu que o digo, é o douto presidente do BdP, para quem as metas do défice para este ano só serão atingidas com recurso a "medidas adicionais significativas". E se estas forem de carácter temporário, como se teme, outras mais estruturais terão de estar no próximo orçamento. Donde volta a provar-se que o povo é sábio e tem na senhora da televisão uma digna representante.
Sendo sábio, o povo não é estúpido. E, por isso, talvez lhe tenha custado ouvir o presidente da República dizer, nas comemorações do 5 de Outubro, que isto só vai lá se pouparmos mais e trabalharmos mais e melhor. Sabendo nós que lá em casa já se rapa o tacho para evitar gastos a mais, Cavaco só podia estar a pedir poupança ao Governo.
Devia tê-lo dito explicitamente, até porque o Executivo jura que nos tira do buraco cortando, sobretudo, na despesa. Pedir mais poupança a um povo que ganha, em média, 711 euros de salário líquido e que tem sido sugado até ao tutano por sucessivos executivos é um bocadinho de mais. Digo eu. E talvez diga o sábio povo. Que não é estúpido.
Paulo Ferreira, aqui