domingo, 25 de setembro de 2011

SOMOS TODOS GREGOS

1. Passos Coelho deu na terça-feira por finda a campanha eleitoral. Até que enfim. Na entrevista que deu à RTP houve clareza, lucidez e mais, muito mais, realismo.

O primeiro-ministro deu por findo o discurso da gordura, e explicou o que já todos sabíamos: os cortes na despesa vão ser feitos diminuindo a qualidade e a quantidade de serviços nas áreas da saúde e educação, da eliminação de muitas prestações sociais, de possíveis despedimentos na função pública, entre outras medidas infelizmente necessárias mas pouco ou nada relacionadas com a obesidade estatal.

A verdade é bem-vinda. Já suspeitávamos da impossibilidade de manter custos sem os imprescindíveis correspondentes proveitos. Não havia era necessidade de nos terem dito que tudo se resolveria, no lado da despesa, sem este tipo de cortes, e que os únicos sacrifícios pedidos seriam os constantes no acordo de auxilio financeiro. Não seria por aí que o PSD deixaria de ganhar as eleições e ter-se-ia mostrado um respeito pelos cidadãos que Sócrates, Barroso e Guterres não demonstraram.

2. Contrariando o ministro das Finanças e o Presidente da República, Passos Coelho levantou a hipótese de necessitarmos de mais um pacote de ajuda. A razão dada relaciona-se com a eventualidade dum colapso grego - vamos dar de barato que um primeiro-ministro não deve em caso algum cenarizar, e muito menos colocar em causa todo os discursos dos mais relevantes dirigentes mundiais sobre o assunto.

Vistas bem as coisas, quase tudo na entrevista se relacionou com a Grécia: a grande questão no problema madeirense é fazer-nos parecer a Grécia e a necessidade de tomarmos medidas ainda mais austeras que as acordadas com a troika é para provarmos que não somos gregos.

O que parece escapar ao primeiro-ministro é que neste momento somos todos gregos. Portugueses, italianos, espanhóis, irlandeses, franceses, alemães, todos.

Saberá, com certeza, o primeiro--ministro que o eventual default grego ou a saída da zona euro não será apenas um problema para Portugal. Longe, muito longe disso. Como escrevia, esta semana, Martim Wolf no Financial Times, não é possível construir um muro anti-contágio entre a Grécia e os outros países europeus. E não só, a preocupação com a situação grega é global. A prová-lo estão as sucessivas declarações de membros do gabinete de Obama e de outras grandes potências. Não será de certeza absoluta por razões altruístas.

Se a Grécia cair, a última das preocupações dos grandes países da Europa e do mundo será Portugal - só por isto a última pessoa a levantar a hipótese dum colapso da Grécia seria o primeiro-ministro português.

Apesar de não parecer, custa a acreditar que o Primeiro-Ministro não saiba disto.

Como é obvio Passos Coelho sabe, e no entanto não ouvimos uma palavra sobre a crise europeia. Qual é a solução defendida pelo Estado Português para as grandes questões da Europa, que tipo de intervenção devem ter as instituições europeias, qual deve ser a resposta global, que Europa Passos Coelho defende, sabendo que a solução encontrada não está a resultar, qual o modelo alternativo que defende.

Não há resolução para a situação que nos encontramos que não passe por uma redefinição da política europeia, é tempo do Governo perceber isto e ter um discurso sério e estruturado sobre o assunto.

3. Sexta-feira passada não foi um dia como qualquer outro na Assembleia da República. Nessa data os deputados disseram aos portugueses que os seus representantes, na dúvida, são criminosos. Foi o dia em que os políticos cederam ao populismo mais desbragado, que deram razão aos pasquins disfarçados de jornais, que se converteram em anónimos participantes dos chamados programas de "opinião pública" e contribuíram decisivamente para o desprestígio da actividade política, a mais nobre profissão numa democracia.

Mas, como se isso não bastasse, fizeram mais: consagraram a inversão do ónus da prova, o mais sagrado princípio do Estado de direito. Não há subterfúgio discursivo, não há realidade dos tempos que correm, não há argumento razoável: quando um cidadão tem de provar que não cometeu uma ilegalidade os alicerces do Estado de direito, e a própria democracia liberal são colocados em risco.

A caixa de Pandora foi escancarada. A partir de agora vale tudo. Com a consagração da iniquidade da inversão do ónus da prova está aberta a possibilidade dos políticos terem de provar que não assassinaram, não roubaram, não violaram. A seguir é você, caro cidadão. Já falta pouco.

Pedro Marques Lopes, aqui