Há pessoas que nos habituámos a ver em lugares dos quais duvidamos que alguma vez saiam. São criticados, discutidos, desmentidos e nada os faz tremer.
De repente chega o dia em que, quando nem sequer estamos a pensar nisso, tudo muda. Foi o que aconteceu ontem com o presidente da Associação Nacional de Farmácias, que em tempos chamou traidor e mentiroso a José Sócrates.
O farmacêutico, de 64 anos, ganhou um poder colossal, para usar a palavra na moda, ao longo dos 30 anos na presidência da associação, em cuja criação participou em 1974.
A decisão do Governo de mudar a fórmula de fixação dos preços dos medicamentos e reduzir a margem de lucro das farmácias fez cair a direcção de João Cordeiro, que se queixa de não ter sido ouvida.
Não é exactamente para beneficiar os consumidores que isto acontece. Desta vez - os preços dos medicamentos já tiveram vários cortes nos últimos anos, por outras razões - o Serviço Nacional de Saúde poupará largos milhões de euros, visto que ao baixar o preço total reduz o valor da comparticipação estatal.
Há aqui um aspecto que dá que pensar: existia uma possibilidade de nós, consumidores, gastarmos menos dinheiro e só agora foi accionada. O sistema em vigor relacionava os preços em Portugal com os praticados em quatro países da União Europeia. Ficaremos no mesmo patamar que a Espanha, a Itália e a Eslovénia (antes eram, além da Espanha e da Itália, também a França e a Grécia).
João Cordeiro começou por ter uma farmácia em Cascais, foi crescendo no seu próprio negócio e transformou uma associação num gigante com um poder que atravessou intocável todos os anos de democracia. Foi preciso chegarem a crise, a troika e um ministério dirigido por um jurista especializado em cortes para deitá-lo abaixo.
Estava João Cordeiro a anunciar a demissão e, mais ou menos à mesma hora, o presidente da Câmarade Oeiras era levado para a prisão.
Isaltino de Morais, que desde 1985 ocupa ou a presidência da Câmara ou um cargo governamental, foi detido por terem surgido novos elementos a somar aos pesados processos em que já foi condenado e que têm andado entre recursos, cauções e suspensões. Como antigo delegado do Ministério Público, ele soube bem aproveitar todos os artifícios legais e todos os conhecimentos do meio.
Com as devidas diferenças, o dia de ontem viu cair duas figuras com décadas de poder.
Diz-se que não há duas sem três. Hoje, será conhecido o relatório sobre a situação da Madeira. Que mais poderá acontecer?
Ana Sousa Dias, aqui