"Manso é a tua tia, pá!".
A frase é do ex-primeiro-ministro, José Sócrates, e foi dirigida a Francisco Louçã a meio de um debate quinzenal, depois do deputado bloquista ter dito que o chefe do governo de "intervenção em intervenção vai ficando mais manso".
A reacção de Sócrates seria impensável num líder com as características de António José Seguro ou de Passos Coelho. A História da democracia está recheada de casos de lideranças, que surgem em contraponto aos seus antecessores - a um animal feroz sucede sempre um manso. Da sucessão de Mário Soares no PS à sucessão de Cavaco Silva no PSD a regra tem sido sempre a mesma.
A Cavaco sucedeu o suave Fernando Nogueira e a Mário Soares o delicadíssimo Vítor Constâncio. Agora, a maré está para os delicados: António José Seguro ocupou o lugar que foi do "animal feroz" Sócrates e Passos Coelho o da autoritária Manuela Ferreira Leite.
"A sociologia impõe isso", afirma o politólogo e professor universitário, José Adelino Maltez, defendendo que os estilos de cada liderança acabam por ser definidos pelas "circunstâncias" e em função dos "800 mil a um milhão de eleitores ''bailarinos'' que decidem as eleições". Mas para Carlos Jalali, politólogo, são "tradicionalmente classificados como líderes fortes aqueles que levam o partido ao poder". Jalali dá o exemplo de Durão Barroso que era "a grande esperança" do PSD e, após uma derrota nas legislativas, foi alvo de "um crescente e acentuado facciosismo e oposição interna". Luís Filipe Menezes chegou a chamar-lhe "um líder frouxo". O caso mudou de figura quando ganhou as eleições e se tornou um "líder incontestado", diz Jalali. Até chegar ao poder, Passos Coelho também foi olhado com desconfiança pelos seus pares.
Não é fácil suceder a um líder de carácter forte, sobretudo quando o poder não está por perto. Fernando Nogueira nunca se afirmou a seguir a Cavaco, Carvalhas viveu com a sombra de Cunhal e já ninguém se lembra de Ribeiro e Castro, que sucedeu a Portas e nunca teve paz interna. José Paulo de Carvalho foi deputado do CDS e apoiante de Ribeiro e Castro e conta que "a constante comparação com o líder anterior impedia a nova liderança de se afirmar".
O senhor que se seguiu A seguir a Cavaco Silva, o PSD esteve muitos anos afastado do poder e a primeira vítima das marcas que o agora Presidente da República deixou no partido foi Fernando Nogueira. Carlos Encarnação lembra que os dois eram muito diferentes. Nogueira era um "negociador com uma grande capacidade para gerar equilíbrios". Mas o homem que se seguiu a Cavaco nunca "conseguiu ter o partido pacificado". "Havia uma contestação interna grande e vários grupos dentro do partido", recorda o então vice-presidente da bancada parlamentar do PSD.
De facto não é fácil ser um líder incontestado - mais ainda na oposição - e foram muitos os que ficaram pelo caminho. Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa, Manuela Ferreira Leite, no PSD, ou Vítor Constâncio, Jorge Sampaio, no PS, são só alguns exemplos. Mas mesmo entre aqueles que chegaram ao poder, houve vários casos de lideranças que foram consumidas pela sua fragilidade.
António Guterres demitiu-se para evitar "o pântano", Durão Barroso foi para a Comissão Europeia - a seguir a uma pesada derrota nas europeias - e Santana Lopes foi "demitido" pelo Presidente da República, que não alinhou com a instabilidade do mais curto governo da História, depois do primeiro de Cavaco Silva .
Carlos Encarnação, na altura secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, recorda os tempos do cavaquismo em que os líderes da oposição - Constâncio e Sampaio - eram "cilindrados nos debates parlamentares". Vítor Ramalho, dirigente socialista, explica o fenómeno com "os dinheiros brutais" que chegavam de Bruxelas e criaram condições de governação "diferentes de tudo".
No PCP, Cunhal apregoava que não promovia o culto da personalidade, mas qualquer um que lhe sucedesse estaria sempre fragilizado pelo homem que liderou os comunistas durante mais de 30 anos. Carlos Brito, que pertenceu à direcção dos comunistas, recorda que, mesmo com Carvalhas como secretário-geral, Cunhal "procurava ter uma aproximação da liderança e influenciá-la directamente".
Não há partido que não tenha vivido conflitos internos graves. Alguns acabaram com expulsões e cisões, que estiveram na origem de algumas transferências entre partidos. Pina Moura, Zita Seabra ou o agora deputado independente Basílio Horta são só alguns exemplos.
Talvez por saber que a História do PSD está recheada de dramas internos, Passos Coelho disse, na noite em que conquistou o partido, que o PSD "não é um saco de gatos". E sabia bem do que falava. Uns meses antes, Ângelo Correia - um dos seus apoiantes de sempre - dizia que o PSD de Manuela Ferreira Leite não merecia o poder. "O que choca profundamente é que o PSD não tenha respostas para as questões importantes. Não se uniu minimamente", disse Ângelo, convidando a ex-ministra das Finanças a reflectir sobre a sua continuidade. "É dor de cotovelo", respondeu-lhe António Capucho, traduzindo a tensão de um partido que estava à beira de perder mais umas eleições legislativas.
No PS, as dificuldades para um líder se afirmar não são tantas, mas ninguém guarda saudades do diálogo de Guterres ou das divisões dos tempos de Constâncio e Sampaio, perante os últimos seis anos de união. "José Sócrates era um líder nato. Isso não se aprende", diz o deputado José Lello, que esteve ao lado do ex-líder deste o início. A sua saída abriu a porta a Seguro e a divisões internas, que eram impensáveis há uns meses. O futuro dirá se chegará ao poder.
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