O FOGO E O LEOPARDO
Nos acampamentos, em África, à noite, há sempre uma fogueira acesa, que afasta as feras.
Entre elas, o leopardo, que ganhou fama de ser de todos os animais ferozes o que mais medo tem do fogo. Porquê? Já vão saber.
No princípio do mundo ou um pouco mais para diante, o leopardo e o fogo visitavam-se muito, como bons amigos que eram.
Não. Não estou a ser rigoroso.
O leopardo visitava o fogo na sua caverna, sem que alguma vez o fogo tivesse retribuído a visita.
Um dia, o leopardo fez-lhe este reparo, um pouco amuado com a desconsideração. Respondeu-lhe o fogo:
- Eu nunca saio. Sou um desastrado e muito perigoso. Aqui, na minha caverna, sinto-me como um vulcão contido. Se sair, posso não ter mão em mim e causar estragos, mesmo sem querer.
Mas o leopardo tanto insistiu que o fogo acedeu. Recomendou-lhe, no entanto, que limpasse de ervas e ramos e folhas secas o caminho que ia da casa de um à casa do outro.
O leopardo, que era preguiçoso, não correspondeu com o rigor devido à recomendação que o fogo lhe tinha feito e aconteceu uma grande desgraça. O fogo, à confiança, saiu do seu esconderijo e mal deu os primeiros passos, ainda tímidos, na senda da floresta, que ele supunha varrida de folhas, propagou-se, alastrou e incendiou tudo em seu redor.
- Não tenho culpa. Não tenho culpa - gritava o fogo, assustado com a devastação que causava.
Mas nada podia fazer. O fogo incontrolável galgou planícies e montanhas e tudo arrasou à sua frente. O leopardo, que se dirigia ao seu encontro, teve de fugir, aterrorizado. Mas chamuscou-se, na fuga. Ainda se lhe notam as manchas das queimaduras na pele mosqueada, recordação do dia em que o fogo cometeu a imprudência de sair de casa.
Há que dizer, porém, que o primeiro culpado foi o leopardo, que não soube desbastar a mata seca da floresta como devia.
O fogo, sozinho, nunca tem culpa.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui