A confusão entre sexo, amor e infidelidade não nos larga de ponta a ponta da vida.
Seja por conseguirmos resistir como heróis à tentação da infidelidade, ou, inversamente, por sucumbirmos infamemente.
Pouco nos importa que haja homens e mulheres que nascem, vivem e, aparentemente, são felizes, partilhando relações sexuais, até debaixo do mesmo tecto familiar.
Para nós, europeus, ocidentais e crentes em Deus, a infidelidade, sobretudo a sexual, é a medida de todos pecados.
Trata-se de uma confusão facilitada por leituras apressadas do catecismo, designadamente o católico, apostólico, romano, que dá imenso jeito a famílias construídas - e sobretudo mantidas - à custa de uma contabilidade de prós e contras estranhos à ideia de amor. Amor próprio e amor pelos outros, qual deles o mais importante para nos sentirmos felizes. Relativamente, é claro.
Na verdade, a fidelidade nas relações amorosas, de amizade, sexuais, laborais, de vizinhança apenas pode ser mantida se todas as partes se sentirem suficientemente felizes.
A fidelidade é alimentada pela seriedade e por uma aguda consciência dos actos e omissões próprios. Só assim é possível distinguir a fronteira a partir da qual a nossa felicidade pode participar activa e conscientemente da infelicidade do outro.
Quem quiser ser sério consigo próprio, a visão dessa fronteira deve constituir o momento para o velho exame de consciência sobre a sua capacidade para amar ou ser amigo de...
Para quem queira tentar ser feliz e fazer os outros felizes, em princípio a questão da infidelidade não se coloca. Pura e simplesmente porque os outros são, por princípio, parte da sua própria felicidade, sendo disso informados: quem tenta viver em espelho com os outros, partilha ideias, acções, desejos, fetiches, obsessões e inibições com maior felicidade.
O nascimento e rápido crescimento de um sítio na NET com o apelativo nome de "Second Love", de que o JN dá conta nesta edição, é apenas a versão comercial dessa antiquíssima confusão entre sexo, amor e infidelidade.
De tão comercial, a fórmula de cobrança deste "Second Love" copia um velho hábito de salões, bares e danceterias: os homens pagam mas as mulheres entram à borla. Simplesmente porque, até neste aspecto, a confusão em torno da fidelidade firma-se em pressupostos hipócritas. Que ninguém prova mas são aceites em nome de uma moral pública verdadeiramente serôdia. Neste caso, está bom de ver que o pressuposto para a gratuidade é certamente o da maior dificuldade que a mulher teria em ser infiel. Ou tentar, sequer!...
Manuel Tavares, aqui
