domingo, 21 de agosto de 2011

O HOMEM DO MACHADO QUE TEM ENCONTRO COM A MORTE MARCADO PARA BREVE

Ildefonso viveu 20 anos num parque de campismo.

Agora, anda a disputar a guarda das filhas com a ex-mulher e foi apanhado com um machado e uma faca no meio da rua.

Tudo porque sente que a sua morte está "iminente"

Do princípio ao fim do julgamento, Ildefonso refere-se à ex-mulher como "a progenitora dos meus filhos". Ildefonso, que já foi estofador de carros, vigilante e agora, aos 52 anos, está reformado por invalidez, aguarda julgamento por violência doméstica. Nos entretantos, foi apanhado em plena via pública, ao lado da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), artilhado com um machado de 36 centímetros e uma faca de dois gumes com uma lâmina em aço inoxidável de 13 centímetros. A polícia foi alertada por uma chamada anónima e enviou três agentes à paisana para o local.

"É verdade que estava com um machado, mas devo sublinhar que é um dos modelos mais pequenos do mercado. Quanto à faca, é de cozinha, igual às que se vêem nos restaurantes, para cortar entrecosto", explica à juíza.

"E porque é que andava com uma faca no meio da rua?"

"Ligaram-me da CPCJ para lá ir a uma reunião. Finalmente, iam deixar-me ver as minhas meninas [Ildefonso tem duas filhas, que lhe foram retiradas e vivem com a mãe] e ir de férias com elas. Estava tão entusiasmado... antes de sair de casa lanchei. Comi fruta, presunto e chouriço. No final, sem pensar, meti a faca na mala e saí".

"E o que é que tem a dizer sobre o machado?"

"Sotôra, eu estou sempre na esperança de que as minhas meninas voltem para podermos ir acampar, como fazíamos antes. Naquele dia, tinha estado a afiar o machado com uma rebarbadora, em casa, que era para estar pronto para a eventualidade do acampamento e irmos apanhar lenha à serra para fazer uma fogueira. E olhe... depois de o afiar não sei como é que fiz... meti-o acidentalmente na mala."

A juíza não vai em histórias e resolve pôr um travão à imaginação do arguido. "Desculpe lá, se estava entusiasmado para ir ter com as suas meninas, o normal seria levar uma raquete ou um brinquedo, nunca um machado." E é aqui que Ildefonso resolve mudar de cassete e contar, finalmente, a verdade. "Senhora doutora, vou ser sincero. Desde o dia 3 deste mês que vivo uma situação de terror. Estou a ser perseguido, a minha morte está iminente. A progenitora dos meus filhos encomendou a minha morte. Comecei a ser vítima de tentativas de atropelamento. Tenho tudo, sotôra: matrículas, horas, locais, pessoas. A polícia não me pode proteger porque não tem meios. O machado é para me salvar a vida..."

"Primeiro vem falar em acampar e em lanches com fruta. Agora diz que é que para se defender. Ouça lá, o senhor já teve rixas com outras pessoas?", diz a juíza.

"Nunca. Eu sou contra a violência e a parte de acampar é verdade. Posso provar, tenho vídeos e recordações espectaculares do campismo."

"É contra a violência? O seu registo criminal diz que foi acusado de ofensas corporais a agentes da polícia. Curioso..."

"Ah, mas isso foi porque eu fui vítima de uma ordem de despejo ilegítima, morei 20 anos num parque de campismo e depois expulsaram-me."

Antes de ler a sentença, a juíza ainda pergunta a Ildefonso se quer acrescentar alguma coisa em sua defesa.

"Doutora, aquele machado já me salvou a vida, eram 20h04, eles fugiram, queriam--me atropelar. A minha morte vai acontecer..."

"Senhor Ildefonso, realmente há que admitir que o senhor é uma pessoa criativa, mas eu expliquei-lhe no início do julgamento que, se quisesse, poderia ficar em silêncio. Mais valia ter estado calado. Quando se faz declarações em tribunal, deve ser para se defender e não para piorar as coisas. Diz que a sua morte está iminente...? Leva um machado para uma reunião na CPCJ? O senhor não foi encontrado com um machado no meio de uma floresta! Estava numa via pública urbana, sem qualquer contexto de utilização para esse objecto! E já agora, as facas de restaurante só têm uma lâmina, não duas."

Claramente, a juíza não apreciou a criatividade de Ildefonso e dá o assunto como encerrado: 1500 euros de multa. "Pode ir embora. E, se quer um conselho, nos próximos tempos não volte a comer fruta fora de casa e, se comer, que seja à dentada, percebeu?"

Rosa Ramos, aqui