Constituição e remédios. De Espanha vêm dois bons exemplos para atacar a crise.
Decididamente, as palavras de Cavaco Silva não chegam a Madrid. Não se sabe ao certo onde chegam. Espera- se que o inquilino de S. Bento faça ouvidos de mercador e quando chegar a hora da verdade faça mesmo o que a senhora Merkel, com o apoio do senhor Sarkozy, quer quanto à dívida e ao défice.
Os espanhóis não perderam tempo a cumprir a ordem. Em crise profunda, como Portugal, a Espanha está mesmo decidida a não ser apanhada na onda das ajudas externas e faz tudo o que pode para estar na primeira linha dos países cumpridores das sugestões ou imposições de quem vai ao leme deste navio europeu no meio de uma terrível tempestade, com ondas gigantes e ventos arrasadores.
E faz muito bem. Ontem mesmo, na apresentação de mais um plano de austeridade, Zapatero anunciou que vai rever a constituição espanhola com o objectivo de estabelecer limites à dívida e ao défice das contas públicas. A reforma proposta abrange também a definição de tectos de despesa, tanto a nível da administração central como dos governos regionais. A revisão constitucional vai avançar a grande velocidade e o presidente do parlamento espanhol já garantiu que há condições para que seja aprovada antes do fim da actual legislatura e das eleições legislativas antecipadas de 20 de Novembro.
Apenas dois meses para mexer na lei fundamental é obra em qualquer país democrático. Mas é isso que vai acontecer, até porque o líder da oposição e o candidato socialista à sucessão de Zapatero já deram o seu apoio a esta importante e histórica revisão constitucional. Mas as medidas anunciadas pelo chefe do governo espanhol também tocam na política do medicamento. Num esforço de poupança da ordem dos 2,4 mil milhões de euros, o decreto-lei aprovado determina que os medicamentos passam a ser receitados por princípio activo e não por marca.
Mais ainda. As farmácias são obrigadas a fornecer aos clientes os medicamentos mais baratos. Duas medidas, dois exemplos que deviam merecer a melhor atenção do governo de Lisboa, das comissões que andam a acompanhar o cumprimento do Memorando da troika e, já agora, do PS de António José Seguro. A revisão constitucional é um imperativo nacional e o corte nas despesas com a saúde é inevitável e urgente. É evidente que as práticas políticas em Portugal obedecem a rituais que são absolutamente incompatíveis com a celeridade exigida pela emergência nacional.
Mas se isto é verdade para a revisão constitucional que a bem, assim-assim ou a mal será concretizada mais cedo ou mais tarde, não se compreende que o governo admita que os médicos tenham o poder de impor na receita, manual ou digital, o laboratório dos medicamentos. E não se admite também que as farmácias não sejam obrigadas a vender aos seus clientes os mais baratos.
De Espanha, diz o povo, não vêm bons ventos e bons casamentos. Mas em matéria de medidas de austeridade e de incentivos ao crescimento da economia e do emprego, seria muito bom que os nossos ministros pusessem os olhos no que se está a fazer em Madrid. Até porque a pólvora, senhoras e senhores, já foi inventada há séculos.
António Ribeiro Ferreira, aqui