NUNCA me agradou o acto de proibir, mas ficaria satisfeito se a Póvoa de Varzim e outras câmaras seguissem o exemplo luminoso das de Viana e Braga e proibissem a realização de touradas.
A única Tourada de que gosto é a de Ary dos Santos, assim mesmo , com t grande, pois trata-se do nome da canção que, na voz de Fernando Tordo, venceu o Festival RTP da Canção de 1973: "Não importa sol ou sombra, camarotes ou barreiras, toureamos ombro a ombro, as feras".
Um dos poetas maiores da geração de O' Neill, Natália Correia, David Mourão-Ferreira e Alegre, José Carlos Ary dos Santos (1937-84) dedicou-se a biscates diversos (entregador da Sociedade Nacional de Fósforos, vendedor de máquinas de pastilhas elásticas, escriturário do Caino do Estoril) antes de estabilizar a vida como publicitário.
Foi no mesmo Festival RTP da Canção que o retirara do anonimato em 1969 (com o poema Desfolhada, cantado pela outrora portentosa voz de Simone de Oliveira), que Ary causou polémica com Tourada, um poema ousado, onde usava a terminologia tauromáquica para, com a sua ironia mordaz, fazer uma chicuelina ao lápis azul da censura, criticando o regime marcelista e passando uma mensagem de esperança na proximidade da mudança: "Com bandarilhas de esperança, afugentamos a fera , estamos na praça da Primavera".
Gosto muita da Tourada (e de muitos outros poemas de Ary) mas nunca suportei a tourada. A embirração começou ainda eu era cachopo, nos tempos da ditadura do canal único e a preto e branco da RTP, quando nove em cada dez vezes a misteriosa Reportagem do Exterior anunciada para a noite de quarta feira se revelava uma maçadora tourada, em vez do desejado jogo de futebol.
Depois, quando comecei a politizar-me, racionalizei o ódio à crueldade das corridas de touros, uma luta desigual entre homem e animal, onde os espectadores se divertem e aplaudem cavaleiros e toureiros que fazem judiarias ao bicho, espetando-lhe ferros e bandarilhas no lombo.
Com a excepção da pega, o único momento de igualdade deste triste espectáculo (apesar do touro estar cansado da lide e a perder sangue), é tudo muito mau, até a idiosincrasia portuguesa de proibir o touro de ser morto na arena - uma rematada hipocrisia já que o animal é abatido logo após a corrida.
É muito nosso este tique d e adorar comer frango assado, massa chinesa com galinha ou caril de frango, nas não suportar sequer presenciar o "horrível" acto de cortar o pescoço à galinha - "que falta de gosto!".
Nunca me agradou o acto de proibir, mas ficaria satisfeito se a Póvoa de Varzim e outras câmaras seguissem o exemplo luminoso das de Braga e Viana do Castelo e proibissem a realização de touradas.
Nesta esquina da vida em que fomos apanhados, devemos inspirar-nos na única Tourada de que gosto, e, como nos aconselha Ary, "pegar o mundo pelos cornos da desgraça - e fazer da tristeza graça".
Jorge Fiel, aqui