domingo, 3 de julho de 2011

QUERIDO DIÁRIO - V I I

Ele ressona-me ao lado e eu desespero.

Salto da cama, desloco-me silenciosamente, entro no quarto de banho e deito-me na banheira fria; aponto o jacto de água morna, não muito forte, para o meio das pernas abertas, por forma a não me magoar nem provocar retracção clitoriana.

A  água envolve-me aos grandes lábios, num prenúncio de gozo que se quer circular e periférico, e nunca directo; por segundos, o universo está todo ali, naquele prazer rápido, quase nauseante de tão concentrado, como um detergente de que basta uma gota pois duas já são demais.



Eu espero que o coração lhe reentre pelo peito, que deixe de me ressoar aos ouvidos, e levanto-me, ainda tonta. Troco os pés enquanto me enxaguo e me acaricio suavemente, como se tivesse feito amor comigo própria pela primeira vez, e tivesse medo. Desconheço-me, enquanto ele ressona.
Abafo um gemido  e mordo a mão esquerda; aperto-me por entre espasmos e o meu corpo estica-se, elástico, enquanto os dedos dos pés se retorcem e ele, no quarto de dormir, continua a ressonar

Regresso ao quarto de dormir e deito-me, de costas, num suspiro fundo. Quero crer-me aplacada, satisfeita, mas o cheiro dele alerta-me de novo os sentidos, temporariamente anestesiados, apenas. Sobem-me calores, afrontamentos: destapo-me, impaciente, suada, danada com ele; rodeio-lhe a cintura, larga, e escorrego-lhe a mão pelo ventre, flácido e apalpo-o, sentindo-o amolecido, inerte e sem vontade.

No meu centro, um formigueiro recrudesce, implacável, o coração dispara-se-me, a língua passeia-se-me pelos lábios, pelos dentes e pelo céu da boca. Retiro a mão de cima, inútil, e enfio-a em mim mesma, dando assim proveito à súbita destreza que me aflora aos dedos. Não como há pouco, na banheira: sei que tenho de trabalhar mais e com cuidado acrescido, impondo maior vagar nos movimentos circulares.

Ele vira-se de repente, como se acordasse, e eu páro tudo, até de respirar: isto agora é coisa minha, só minha e ele, nesse momento, não passa de um intruso. Aguardo que ele se ajeite na almofada, reparo num fio de baba a escorrer-lhe pela cara e encolho-me de nojo, com o gozo a escapar-se-me por entre as cãibras. Esforço-me por retomar o fio ao prazer, afadigo-me, impaciente, na minha mudez, mas nada.

Imagino pornografia, p**** pretas em c**** brancas, buracos preenchidos por todos os lados, línguas molhadas, coisas violentas, contra a parede, com o rapaz das pizzas, com o fulano da informática, com o desconhecido do messenger.

Nada me consegue distrair do fio de baba, do ressonar empedernido e compassado, e da tristeza daquele membro morto; acotovelo-o com brusquidão instando-o a que se vire, pois o ronco de locomotiva não me deixa dormir; destapo-lhe o corpo, vingativa, puxando para mim todo o edredão, fecho os olhos, e já farta de pensar em carnes, invoco para mim todos os deuses do sono, ainda antes de um último pensamento me aflorar ao cérebro vazio:
- Amanhã, no hipermercado, é dia de peixe fresco; ainda bem!

Alma de Deus
(Em reposição: anteriormente publicado no extinto http://blog.oliveiradobairro.net/)