Andamos nisto há muitos meses.
O Presidente da República, com excepção do período em que preferiu assistir de Belém e em silêncio ao rebentar da crise política, tem falado imenso dos sacrifícios exigidos aos portugueses, que, obviamente, têm limites.
Pessoas e empresas que já suportam cargas fiscais violentas, burocracias medievais e incompetências a todos os níveis na gestão da coisa pública. Pessoas e empresas que também têm culpas no cartório.
Embarcaram no canto das sereias do dinheiro fácil, barato e que até dava milhões, da casinha para toda a vida, do endividamento demente e sem limites, do goze agora e pague depois e das auto-estradas sem custos para o utilizador. Como se sabe agora, era tudo mentira. O dinheiro era tóxico, o crédito uma ilusão, a casinha virou caixão e agora não há mesmo nada para ninguém.
Nem os bancos, a santa casa do dinheiro, têm notas e moedas para emprestar. Andaram a investir a torto e a direito na dívida soberana, com ou sem pressões políticas, atiraram com milhões para cima das empresas públicas falidas, alinharam em negócios com garantias mais que duvidosas e agora não há ninguém no mundo que lhes empreste um cêntimo, com a honrosa excepção do Banco Central Europeu, uma torneira que está longe de ser inesgotável. Neste quadro lamentável, é natural que ande muita gente preocupada.
O Presidente da República com as pessoas que não têm rendimentos suficientes para pagar o imposto de Natal ao ministro Vítor Gaspar e os banqueiros com o Memorando da troika. Percebe-se o primeiro, é muito estranha a posição dos segundos. O acordo com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI foi assinado há mais de dois meses. Os bancos nacionais tiveram um papel importante nesse processo. Pressionaram até mais não o então ministro das Finanças e o teimoso Sócrates e lá conseguiram que no dia 6 de Abril fosse anunciado o pedido de ajuda externa.
Estiveram serenos durante as negociações, saudaram os resultados eleitorais de 5 de Junho, as escolhas ministeriais de Passos Coelho e eis que, inesperadamente, nestes últimos dias de Julho, quando a troika se encontra em Lisboa para a primeira avaliação do cumprimento do Memorando, saltam para a ribalta com um pedido de revisão das medidas previstas para o sector bancário. Basicamente não querem que os créditos sejam passados a pente fino por técnicos especializados de diversos bancos centrais europeus, como aconteceu na Irlanda quando o governo de Dublin accionou o pedido de ajuda externo.
Esta reacção tardia, inesperada e despropositada é ainda mais estranha porque o Presidente da República não está nada preocupado com a banca nacional e elogia a sua solidez à prova de bala, dos mercados e das agências de rating. A não ser que, numa linguagem muito usada na recente campanha eleitoral, haja por aí muitos esqueletos escondidos nos cofres dos banqueiros. Esqueletos para todos os gostos e feitios, de gente feia e bonita e, quem sabe, de muitos empresários de sucessos múltiplos e variados que sempre viveram da banca e do querido Estado.
António Ribeiro Ferreira, aqui