Tal como na gestão de uma casa ou de um orçamento familiar, (a criação e) a acumulação de riqueza só é possível quanto os gastos não superam as receitas; e sabe a inglória se a mesma tiver que ser sistematicamente reorientada para a amortização de dívida e serviço de dívida, quando seja esforçadamente conseguida.
Portugal não se encontra em nenhuma destas situações, mas é pelas piores razões: porque não cresce nem acumula, e porque o que quer que consiga (conseguisse) esforçadamente acumular está comprometido para o pagamento de juros e dívida. É desencorajante.
Em bom português, para além de estar de sobremaneira endividado, Portugal não está capaz de criar riqueza que garanta o pagamento dos seus compromissos, nem sequer de garantir a mesma qualidade de vida à sua população, quanto mais a sua melhoria.
Sabemos, contudo, que não há crescimento sustentado sem finanças públicas saudáveis (não necessariamente défice zero), e este é um (ou melhor, o) pressuposto em que assentam os programas de estabilização financeira que têm vindo a ser praticados, também em Portugal.
Qual é então o plano de recuperação económica?
Como objetivo transversal desse plano, temos a continuação do cumprimento dos compromissos financeiros internacionais, desta feita com o apoio financeiro do FMI e EU (ajustamento financeiro e re-credibilização internacional como prioridade máxima, de forma a garantir o regresso do país ao financiamento em condições normais de mercado).
Em simultâneo, programaticamente, o Governo propõe-se garantir que os gastos públicos não excedem as receitas públicas (corte de gastos e aumento de receitas), aumentar os níveis de produtividade nacional e, por essa via, garantir a competitividade na nossa oferta no exterior e o crescimento da economia.
Assim, por aí virá, por exemplo e por memória, a criação de um imposto extraordinário, a subida e reestruturação do IVA, alteração dos escalões no IRS e redução de deduções, agravamento de preços de bens não transacionáveis internacionalmente, flexibilização da lei laboral e das regras de proteção social, promoção e garantia de concorrência, redução do peso do Estado e qualificação dos portugueses (da força de trabalho), entre tantos outros.
Em última instância, assim se relança uma economia com medidas de austeridade. Em tempos que se sobreporão, teremos: pagamento da dívida, redução dos défices, reforma estrutural, e por fim, crescimento. Será a austeridade interna a garantir a nossa competitividade no mercado internacional, e esta, a médio prazo, a conduzir ao crescimento.
Em termos práticos (o que será o mesmo que dizer, cinicamente), se a política for desequilibradamente doseada, as empresas portuguesas que se provem competitivas, não terão que se preocupar particularmente com o rendimento disponível das famílias portuguesas, ou com a dimensão do mercado português ou com a evolução da procura interna. Porque não é desse o modelo que se trata. Trata-se sim, de um modelo extrovertido, de enfoque e substituição de exportações, compatível, no curto e médio prazo, com níveis de desemprego elevados e rendimento disponível reduzido.
Neste modelo, os portugueses não são o mercado. É-o antes o exterior, recetor de bens transacionáveis internacionalmente, e nele assentará um futuro crescimento da economia. Por outro lado, se a política for equilibradamente doseada, com repartição igual de sacrifícios pelos diferentes agentes económicos (famílias, empresas, Estado), não é garantido que se cumpram os desígnios deste modelo económico para Portugal, nos tempos que nos são exigidos.
Nestes termos, não é de estranhar que o programa de Governo tenha já sido simultaneamente designado, como "choque liberal para o crescimento" e "assalto social aos portugueses". Ainda assim, e apesar dos tempos helénicos que correm, a Europa ainda não parou para equacionar alternativas. Tarda.
Maria Luísa Vasconcelos, aqui