terça-feira, 10 de maio de 2011

PASSOS COELHO ENTREGOU A VITÓRIA A JOSÉ SÓCRATES?

Finalmente, o PSD apresentou o seu programa eleitoral.

Elaborado à pressão, sem tempo para reflexões prolongadas e intenso debate interno (o que é estranho visto que foi o PSD que optou por fazer a vontade ao Governo de provocar eleições quanto antes), marca uma novidade na política portuguesa.

O PSD apresenta-se como o partido mais à direita do sistema partidário português.

Passando o CDS: este partido tem - hoje! - um discurso claramente mais de centro (pelo menos nas áreas económica e social) que o PSD. Neste sentido, Passos Coelho tem o mérito de assumir as diferenças com o PS, pretendendo distinguir-se sem rodeios dos socialistas. Porquê? Porque quer afastar a ideia que se criou de que ele e José Sócrates são gémeos siameses políticos; por outro lado, porque entende que, em tempos de crise, de grande desilusão, os portugueses preferem uma alternativa que promova - mais o que uma mudança - uma rutura. Rutura com a política económica implementada em Portugal desde o 25 de abril. Rutura com as conceções dominantes sobre o papel social do Estado. Rutura com a linha social-democrata do PSD. Hoje, o PSD enquanto partido social-democrata morreu - nasceu um partido liberal em Portugal.

2.Quanto ao conteúdo, o programa inclui propostas interessantes: dar mais liberdade de escolha aos cidadãos nas áreas da educação, da saúde, do apoio social, numa lógica de cooperação público/privado. A extinção das empresas públicas redundantes (no seguimento do memorando com o FMI), bem como a redução do peso da Administração Pública - para permitir, a médio/longo prazo, acabar com o sufoco fiscal em que os portugueses vivem. Em abstrato, são medidas positivas. Tudo dependerá da sua execução e da competência dos protagonistas de tal execução. E, neste ponto, este PSD - há que admitir - ainda deixa muito a desejar.

2.1.Passemos, de seguida, à pergunta que os leitores mais fazem: e eleitoralmente? Este programa é um trunfo eleitoral para os sociais-democratas - ou, pelo contrário, será mais um sarilho? A resposta é clara: eleitoralmente, o PSD deu um presente a José Sócrates. Vou mais longe: se o PSD, com um programa deste teor, não resolver as suas (graves) deficiências de comunicação, acabou de entregar a vitória ao PS. O PSD fica arrumado eleitoralmente! Por três razões:

a) O PSD fica pior na fotografia do que o FMI. Lembram-se que aqui escrevi que, aos olhos dos portugueses, PSD e FMI se identificavam, cabendo a Passos Coelho ilidir essa equiparação? Pois bem, Passos Coelho tentou demarcar-se do FMI, mas pela direita! Afirmando quase que o programa do FMI ainda é uma brincadeira, nos seus intentos privatizadores! Ora, os portugueses já começam a ficar receosos com as medidas de austeridade já anunciadas, que representam enormes sacrifícios nas suas vidas - e o PSD vem dizer que irá mais longe. Na hora de votar, o eleitorado de centro, que se habituou a viver com um determinado estilo, com um entendimento estatista da vida - por muito mérito que as medidas do PSD tenham - não vota no partido mais à direita economicamente. Não vai votar. Resultado: o PSD alienou o eleitorado de centro para o PS e, resta saber, se para o CDS. Será interessante perceber como reagirá o CDS ao programa do PSD, sobretudo na questão social. Paulo Portas tem aqui a oportunidade da sua vida (desenvolveremos esta ideia em próximo texto).

b) Passos Coelho deu razão a José Sócrates. Com efeito, o líder do PS andou dias, semanas, meses a criticar o PSD por ter uma agenda liberal escondida. O PSD negou, querendo dar um ar de preocupação social nos últimos meses do ano passado (com propostas como o projeto de lei sobre o setor económico social). Este dualismo de querer ser liberal, mas mantendo uma tonalidade social (real ou aparente), redundou em inúmeras contradições de Passos Coelho. Num dia, defendia-se uma ideia; no dia seguinte, o seu contrário. O programa do PSD, afinal, confirmou que o PSD tem uma agenda liberal, como José Sócrates vem afirmando. Consequência: dá crédito à linha argumentativa do PS e facilita a estratégia dos socialistas na campanha. Passará, evidentemente, por agitar ainda com mais força o fantasma liberal e vitimizar-se;

c) O PSD falha no discurso social. Num tempo de provações para os portugueses, há que ter um discurso de confiança, de segurança. Que possa inspirar as pessoas a lutarem por um novo rumo para o país. Podemos defender medidas liberais - em Portugal, o peso do Estado é excessivo. Contudo, temos que explicar aos portugueses que os seus filhos não ficarão sem possibilidade de estudar, que lhes serão garantidos os cuidados de saúde adequados, que não ficarão desamparados em caso de infortúnio. Com a ajuda de todos - Estado, empresas, sociedade civil. Os privados são importantes - mas não se crie a ideia de que tudo o que é público é mau.

João Lemos Esteves, aqui