É uma originalidade portuguesa: vários partidos a querem colar-se aos resultados da intervenção externa da União Europeia, BCE e FMI. Na Irlanda e na Grécia foram vistos como vergonhas nacionais.
Para além da perda de soberania, que os incomoda a eles mas nos descansa a nós, todos sabiam dos efeitos catastróficos que teriam as medidas impostas. Aqui, pelo contrário, temos três partidos a celebrar a coisa e a querer aparecer como pais de tão arrepiante criatura.
Ao ponto dos membros da troika, talvez um pouco baralhados com tamanho entusiasmo com a sua obra, virem explicar que o memorando é duríssimo, coisa que os seus signatários nacionais parecem não ter percebido.
O PS diz que o acordo é bom. Igual ao PEC IV, diz Sócrates, mentido como de costume. A sua única desvantagem parece ser o vexame internacional. De resto, excelente. O CDS também diz que ele é bom, sim senhor. Mas melhor que o PEC IV. Por isso mesmo chumbou o do governo e aprovou este. Para o PSD é ótimo, melhor que o PEC, pois claro, mas pode ainda ser mais abrangente. E por isso acrescenta-lhe mais uma privatizações, ainda mais austeridade, ainda mais desigualdade na distribuição dos sacrifícios.
Havendo um absoluto consenso entre todos os que não vivem em Marte de que os efeitos sociais e económicos deste acordo são devastadores, confesso que ando intrigado com a razão deste delírio coletivo, em que alguns portugueses menos avisado estarão a embarcar. Das quatro uma: os três dirigentes partidários sabem que é o acordo é mau mas PS tem de dizer que é bom porque era ele que estava de plantão nesse dia e PSD e CDS têm de dizer que é melhor do que o PEC para justificar a sua mudança de posição; acham que o acordo é mau mas, tendo que o aplicar, preferem dourar a pílula; acham que acordo é bom porque não fazem a mais pálida ideia dos seus efeitos nos próximos anos; acham que o acordo é bom porque acreditam que só se reconstruirá este País sobre as ruínas da nossa economia. Qualquer uma das possibilidades revela uma assombrosa irresponsabilidade.
Vamos, por uns segundos, aceitar que este acordo é inevitável. É um debate que já tive e dispenso-me de repetir argumentos. Sendo inevitável e mau, será indispensável que quem o aplica o aceite como bom? Não. Descansaria um pouco, apesar de tudo, saber que quem o vai aplicar tem consciência do que nos espera. A partir desse ponto, estariam, talvez, a procurar, dentro do pouco espaço de manobra que sobra ao governo, almofadas sociais e económicas para a recessão, desemprego e contração de salários. E, quem sabe, a preparar o momento em que o que será verdadeiramente inevitável vai chegar: a renegociação da dívida. Talvez até, sendo muito otimista, a tentar que esse momento venha a tempo de nos salvar. A procurar - talvez agora esteja a ser irrealista em relação à natureza da nossa classe dirigente - aproximações de posições com os governos da Irlanda e da Grécia. Já não estou a pedir, se reparam, resistência a este suicídio assistido. Apenas, vá lá, algum realismo em relação ao buraco em que nos estamos a enfiar para que a queda seja menos violenta.
Aquilo que se percebe com estas reações é que nada será feito para minorar os efeitos da aplicação deste pacote violentíssimo. Estão tão ansiosos por ficar bem na fotografia que nem se apercebem do cenário dantesco que, atrás dos seus sorrisos, aparece no retrato.
Daniel Oliveira, aqui