quinta-feira, 5 de maio de 2011

DIGNIDADE VERDADEIRAMENTE NA LAMA

1. Eis os novos heróis nacionais. Estão no programa televisivo que na noite de estreia foi visto por mais de um milhão e setecentos mil portugueses.

A patologia transformou-se em espectáculo. Todos o perceberam, ninguém tenciona ocultar a questão. Os concorrentes do Peso Pesado, fácil de ver, estão doentes e não devia ser ali o lugar para cuidar do maltratado do corpo.

Cabe aos serviços de saúde ajudar estes pacientes. Das duas, uma: ou não pediram ajuda no sítio certo, ou quem devia acompanhá-los, fez de conta que não viu e passou à frente.

Mas já que lá estão, na pantalha, actores reais num papel grotesco, era escusado humilhá-los. Ver uma jovem de 28 anos, e mais de 170 quilos, a arrastar-se, a enterrar-se numa poça de lama, é excesso de crueldade. Só assim, parece, tem lugar no programa como se fosse a coisa mais importante da sua vida. Ver a jovem cair e, por uma finta do destino, não conseguir levantar-se jamais pode virar cena de espectáculo. A dignidade da pessoa humana na lama, verdadeiramente na lama. O espectáculo choca, não distrai.

Os concorrentes pesados, ou pelo menos a maioria deles, precisam de ajuda. E a SIC poderá ajudá-los, motiva-os a fazer aquilo que mais precisam: emagrecer. Mas isso, como se viu, tem um preço: o espectáculo, o espectáculo do grotesco. Eu sei. Ninguém participa no programa coagido, e só vê quem quer. Pela minha parte passo. Vi o primeiro, basta.

2. Sexta-feira, os sindicatos da Função Pública convocaram uma greve. A greve é um direito, sem dúvida. E o dia não podia ser mais bem escolhido. Mais de 235 mil alunos, do 4º e 6º ano, fazem provas de aferição. A pergunta impõe-se: devem as crianças ser sujeitas a tal pressão?

Faz parte da lógica do protesto: greve só tem impacto, só dá frutos, se criar contratempos e demonstrar a importância da função de quem paralisa. Caso contrário, ninguém dá por ela. Passa despercebida. Mas, enfim, parece ser de bom senso haver alguns cuidados na escolha dos alvos.

Paula Ferreira, aqui