Lá volto eu a um autor, Domenico De Masi, a que recorro para descomprimir deste sufoco pelo repetido discurso da crise que nem por ser realista deixa de ser deprimente.
Da crise e tudo o que ela arrasta: cortes nos salários, desemprego, austeridade e mais austeridade. Mas, na verdade, desta vez, aquilo que me levou a reler De Masi, foi a cantiga de "Os Deolinda", agora, a incomodar muito boa gente.
De Masi rebela-se contra o modelo social centrado naquilo que ele denomina "a idolatria do trabalho" e contrapõe um modelo baseado na simultaneidade entre trabalho, estudo, lazer. Recorre ao filósofo Bertrand Russel que, já em 1935, dizia: "Uma população que tem pouco trabalho, para que seja feliz, deve ser instruída e essa instrução deve refinar o gosto, para que, com inteligência, possa gozar do próprio tempo livre".
O modelo social que criámos, em tese, previa que todos para ganhar o salário e a vida teriam de trabalhar. Mas, hoje, quanto mais ouço os economistas a falar, sinto que eles estão perante uma equação de difícil solução. Com este modelo social e uma economia a meter água por todos os lados, cada vez é maior o número daqueles que procuram trabalho e não têm. Daqueles que são despedidos. Num mundo tecnologicamente avançado, cada vez haverá menos "trabalho tradicional" para todos. E é tarde, por certo, para terem eco, na Europa do Sul, as palavras do presidente italiano Craxi: "Não é culpa minha se a Itália caminha em direcção a um mundo sem camponeses e sem operários".
Este prenúncio dos tempos já era visionado há décadas. Por isso, o modelo, dando a ideia de ser complacente, diminuiu os horários da actividade laboral e avançou com o sistema das reformas prematuras, no equívoco de criar postos de trabalho para outras gerações. Falhou, por certo, o modelo e a sociedade da abundância, com que alguns tanto sonhavam. E, agora, temos um novo problema para resolver: a economia do ócio.
Como diz De Masi, "o ócio pode transformar-se em violência, neurose, vício e preguiça, mas pode também elevar-se em estudo, arte, criatividade, liberdade". Ora, "Os Deolinda" estudaram, tiraram cursos. Não conseguiram trabalho nas profissões da formação. Mas "libertaram-se", pela criatividade, pela iniciativa do canto, da música.
Afinal, como dizia Nitetzsche: "Todos os homens dividem-se entre escravos e livres; aquele que não dispõe de dois terços do próprio dia, continua escravo, seja homem de Estado, comerciante, funcionário público ou estudante".
Paquete de Oliveira, aqui