A interrogação colocada no tema do último caderno que o JN edita ao domingo parece uma provocação, mas não é: é, isso sim, a interrogação permitida pelo que está e pelo que há-de vir, no que diz respeito ao mercado laboral.
Um dia seremos todos trabalhadores precários? O leitor sente um calafrio na espinha, ao ver a questão colocada deste modo? Se sim, parabéns: está no caminho certo.
E porquê no caminho certo? Porque o caminho errado é passar ao lado de um dos fenómenos que mais está a contribuir - e assim continuará - para a absoluta alteração do paradigma laboral que vingou durante anos a fio. Quer um exemplo? Em Espanha, Governo e sindicatos rubricaram um acordo (inimaginável há poucos anos) que, reconhece o ministro espanhol do Trabalho, penaliza as reformas a pagar no futuro.
Quer outro exemplo? Entre "recibos verdes", contratados a prazo ou temporários, quatro em cada dez trabalhadores portugueses são precários. O número tem vindo a aumentar. E assim continuará, na medida em que nove em cada dez dos postos de trabalho actualmente criados entram na categoria dos precários.
Conhecem-se as causas e as consequências do fenómeno. Sucintamente: a esperança média de vida nos países desenvolvidos tem aumentado, a criação de emprego tem descido - logo, a pressão para pagar as pensões cresce até um nível insustentável. O que não se conhece é a forma justa e equilibrada (se é que ela existe) de resolver tão bicudo problema .
O caminho está, no entanto, a ser feito. E vai já para lá da flexigurança, esse estranho termo que entrou e saiu depressa da boca de muitos governantes europeus, por acarretar gastos que os orçamentos não suportam. A Análise Anual do Crescimento para 2011, documento da Comissão Europeia, aponta as seguintes soluções: licenças parentais mais curtas, para não prejudicar o "desenvolvimento profissional"; salários "em sintonia com a produtividade"; subsídio de desemprego mais baixo e ajustado ao desempenho da economia.
Um susto? Um susto. Mas há um dado incontornável, seja qual for a lente que escolhamos para analisar a questão: haverá sempre países, designadamente os asiáticos, que optarão pela flexibilização das leis laborais. E isso, num mundo em que a globalização dita regras, leva consigo um enorme risco: quem ficar para trás arrisca engrossar os problemas de competitividade e produtividade. O mesmo é dizer: arrisca manter uma perigosa espiral de fraco crescimento económico e elevados níveis de desemprego.
De modo que, mesmo aceitando que nos extremos raramente há boas soluções, o que temos pela frente é saber se há arte e engenho para calibrar alguma segurança para o trabalhador com algum descompressão para o empregador. Equação difícil? Dificílima...
Paulo Ferreira, aqui