Era apenas a segunda vez que Cláudio Mendes podia ver a filha desde que o tribunal fixara um regime provisório, depois da separação. Morreu, à frente dela, assassinado pelo sogro.
Há muito tempo que os amigos não viam Cláudio Mendes tão feliz. Em Outubro publicava duas fotos com a filha de quatro anos no Facebook e escrevia: "Eu e o meu amor eterno." Toda a página era um hino de declarações de amor a Adriana, que mal via desde que se separara da mulher, quando a criança tinha dois anos.
Os amigos retribuíam - "Parabéns, é linda!!", "Finalmente uma foto. A tua filha é linda, amiguinho" - e faziam-no acreditar que a luta não seria vã: "Não vamos fazer dramas, aceitemos as coisas como elas estão e o resto vai acontecer por mérito... força aí... nas pernas, claro... para andares de bike!"
Cláudio Mendes aparecia em conferências sobre direito da família, queixava-se de ser "tratado como um criminoso" e prometia não se deixar vencer pelo cansaço. "Tenho o direito enquanto pai de ver a minha filha. Não vou desistir."
Em Janeiro, Cláudio Mendes conseguia finalmente dar um passo em frente numa luta que durou mais de 600 dias, desde a separação da mulher: o Tribunal de Família e Menores fixava um regime provisório, que autorizava o advogado de 35 anos a ver a filha de 15 em 15 dias, durante duas horas, num local público, e sem interferências.
Cláudio Mendes era pai há quatro anos mas só agora acreditava estar mais perto de poder sê-lo: pelo meio houve dois anos de tribunais, partilha de vivências em grupos de ajuda para pais que lutam pela igualdade parental, retaliações da ex-mulher e dos sogros, provocações e ameaças, encontros vigiados na casa dos avós maternos, encontros que estavam acordados e não se concretizaram, queixas à GNR por incumprimentos do acordo paternal que se transformaram em simples ocorrências.
Sábado passado era o dia do segundo encontro. Não era a segunda vez que Cláudio Mendes via Adriana, mas era como se fosse: pela segunda vez no espaço de dois anos, o advogado podia conversar com a filha, sem ser vigiado pelo outro lado da família.
O relógio marcava 11h30: era a hora do encontro, em que Cláudio Mendes planeava apresentar à filha a actual namorada. Foi mais do que isso. 11h30 transformou-se também na hora da sua morte. Num instante, Cláudio Mendes e uma tia-avó da criança discutiam à frente de Adriana e da mãe.
No outro, o sogro, de 65 anos, puxava de uma arma e disparava cinco tiros. Disparou um: acertou no peito do genro. Disparou mais dois: acertou nas costas de Cláudio quando este tentava fugir. Disparou ainda outros dois, mas não acertou. Cláudio Mendes morreu à frente da filha de quatro anos e da namorada, grávida de seis meses.
No local do encontro, no parque da Mamarrosa, em Oliveira do Bairro, a sobrinha da namorada do advogado - que os tinha acompanhado na visita - filmava tudo. A ideia era poder provar em tribunal como os encontros entre pai e filha corriam bem.
Na localidade da Mamarrosa pouco se sabe sobre a vida do engenheiro agrónomo de 65 anos que matou a tiro o pai da neta, a não ser que tinha o poder "de ser daquelas pessoas que entram e saem de casa e a gente mal as vê". Apesar de ser engenheiro, era sobretudo conhecido pelos negócios no ramo imobiliário.
Fala-se de "trafulhices" em negócios de compra e venda de terrenos, de "fortunas ganhas" a troco de "vigarices" e "aldrabices". Sabe-se pouco, mas o suficiente para arriscar frases demolidoras no café Central contra o engenheiro que vai aguardar julgamento em prisão preventiva pelo homicídio do genro: "Já era ''trafulhista'' e vigarista, só lhe faltava mesmo ser assassino."
Sílvia Caneco, aqui