Só gastar aquilo que se pode é o desafio que se apresenta aos consumidores no início de um ano difícil.
Evitar usar a conta-ordenado e recorrer ao cartão de crédito apenas para pagar viagens são alguns dos truques usados por Susana Freitas para viver um dia-a-dia mais desafogado. Ao princípio parecia um desafio complicado, mas pouco a pouco entrou na rotina desta contabilista.
"Neste momento não me parece nada lógico estar a pagar 12 ou 24 meses por um produto completamente dispensável ou que podia pagar a pronto", refere em declarações ao i.
Este caso não é isolado; há cada vez mais portugueses a fugirem à tentação do crédito fácil. É também o caso de Paulo Freitas, que tenta comprar só quando tem dinheiro disponível para isso. O comercial admite que nem sempre é fácil, já que os bancos e as empresas de crédito "apregoam juros baixos e prestações suaves". "Quem não pensa comprar um computador e pagá-lo em pequenas prestações em vez de estar quase um ano a poupar para isso?", questiona.
A verdade é que não há soluções milagrosas, mas há sempre pequenos passos que pode dar de forma a gerir melhor o seu orçamento familiar e evitar desequilíbrios financeiros. Cair numa situação de sobreendividamento não é assim tão raro e às vezes basta uma situação inesperada - como o desemprego ou uma doença - para os consumidores deixarem de conseguir corresponder aos seus compromissos.
"O recurso ao crédito para pagar a casa, o carro, as férias e o computador para o filho tornou-se mais banal no seio das famílias e alguns consumidores endividam-se mais do que a sua capacidade financeira permite", avisa a Associação de Defesa do Consumidor (Deco).
Que fazer?
Nada mais simples: os consumidores devem gastar apenas o que podem e, se for necessário, adquirir novos hábitos. Isso significa que terão de ser mais racionais nos gastos e analisar quase a raio X as suas decisões.
Recorrer ao crédito fica só mesmo para quando necessário e nesses casos deve--se pagar no menor prazo possível. Raul Castanho, autor de um livro sobre gestão de finanças pessoais que será lançado no primeiro trimestre deste ano, aconselha os consumidores, sempre que possível, a pagarem as suas dívidas no mais curto espaço de tempo. "Com esta medida evitará pagar mais juros, dinheiro que pode ser utilizado para outros fins", diz ao i. Veja-se um exemplo. O autor refere que num empréstimo por um prazo de 20 anos, no valor de 100 mil euros, a taxa de juro anual de 4%, com pagamentos mensais e fixos, custaria ao consumidor 606 euros por mês. No entanto, se optasse por um prazo de 25 anos, já pagaria uma mensalidade de 528 euros, ou seja, menos 78 euros por mês. No entanto, no final do prazo, teria pago em juros 58% do empréstimo.
Consolidar créditos
Esta solução permite pagar mensalidades mais baixas, mas implica sempre pagar mais juros no final. Assim, antes de optar por esta modalidade deve fazer muito bem as contas para ver se compensa ou não. Ao consolidar, pode optar pelo crédito com ou sem hipoteca. No primeiro caso, pode conseguir um prazo mais alargado e uma taxa de juro inferior, no entanto, suporta custos iniciais mais elevados. No segundo caso, as despesas iniciais são menos pesadas e os montantes e o prazo inferiores. Não se esqueça que além dos juros que paga a mais tem de contar com os custos relacionados com a abertura do processo e com a penalização, caso opte pela amortização antecipada.
Como estes factores encarecem o crédito, a Deco aconselha os consumidores a negociarem muito bem este processo, a questionarem sempre os custos inerentes e a tentarem uma redução ou uma isenção das comissões por amortização antecipada dos créditos.
Evitar a conta-ordenado
Nem todos os consumidores seguem o exemplo de Susana Freitas e é cada vez mais frequente os portugueses usarem e abusarem das conta-ordenado. A ideia de ter dois salários de uma vez pode parecer tentadora, mas o risco nem sempre compensa devido aos juros que é necessário pagar sempre que se recorre a este plafond extra.
Raul Castanho lembra que "é frequente os bancos cobrarem juros acima dos 20% ao ano pela utilização do descoberto em conta, além dos encargos mensais que é habitual cobrar nestas situações (despesas de expediente, comissão de gestão, entre outros), acrescentando, no entanto, "que uma coisa é utilizar esta modalidade de crédito pontualmente, num mês em que possa surgir um imprevisto, outra coisa é fazer da sua utilização uma regra".
Para o autor, em vez da lógica de "consumir hoje e pagar depois", os consumidores deveriam preferir "consumir hoje e pagar hoje, evitando suportar juros". Será possível? Raul Castanho diz que sim, basta usar alguns truques: reduzir a dívida gradualmente, todos os meses, até que a conta passe a ter sempre saldo, converter o descoberto num empréstimo bancário (uma vez que a taxa de juro deste último é mais acessível), e, se necessário, sacrificar o subsídio de férias ou de Natal para regularizar a situação de endividamento.
"De facto 8 mil euros em 40 anos não é muito. Porém, se em vez de em 40 anos pensar num ano, estamos a falar em evitar gastos de 200 euros anuais, com juros. Não seria bem melhor gastar este dinheiro em algo que lhe desse prazer?", questiona.
Não se esqueça que a aquisição de determinado tipo de produtos pode comprometer a saúde financeira da sua carteira, como é o caso de um carro, e, como tal, a racionalidade deveria reinar. Conseguir chegar a um equilíbrio entre emoção e razão é o desafio que se apresenta à maioria dos consumidores.
"Se os seus rendimentos não oferecem qualquer constrangimento nas suas opções, excelente. No entanto, se estes condicionarem as suas escolhas então certamente terá de ponderar a decisão a tomar: que carro comprar e qual o momento mais adequado para o fazer", conclui o autor.
Sónia Peres Pinto, aqui