Estudo diz que ter banda larga só não chega. É preciso ensinar a usar a net. Alunos longe dos centros urbanos são os que mais navegam.
Entre 2005 e 2009, as notas dos alunos do 9º ano em 690 escolas caíram 6,3%, mas os resultados tendem a melhorar após o período de habituação.
O uso de banda larga nas escolas portuguesas é sinónimo de piores resultados académicos, pelo menos nos primeiros anos após a sua implementação.
A primeira análise de impacto de uma nova tecnologia nas salas de aula nacionais revela que, entre 2005 e 2008, as notas dos alunos do 9º ano de 690 escolas portuguesas caíram 7,7% a nível global, uma quebra que se dilui para 6,3% quando se alarga o período de avaliação até 2009.
A frase de Fernando Pessoa "primeiro estranha-se, depois entranha-se" pode já ser um cliché mas encaixa na perfeição no que parece acontecer quando há uma nova ferramenta nas escolas: o período de habituação não é muito doce nas estatísticas.
A conclusão surge no estudo "The Effects of Broadband in Schools: Evidence from Portugal", desenvolvido no âmbito do programa Carnegie Mellon (CMU) Portugal e a publicar este mês na revista da especialidade "Review of Economics and Statistics". Apesar de ainda não ser um trabalho conclusivo, os dados mostram que a quebra nos resultados têm origem num grupo de escolas específico, explica ao i Pedro Ferreira, co-autor do trabalho e professor convidado na CMU.
Por essa razão, a contradição em relação aos últimos dados sobre o desempenho académico em Portugal - o último relatório da OCDE dava conta de uma melhoria global de 4% nas competências a Leitura, Ciências e Matemática - é apenas aparente, acrescenta o investigador.
Para perceber, é preciso desmontar os resultados
A equipa - que junta um aluno de doutoramento, Rodrigo Belo, e um professor da Universidade Carnegie Mellon, Rahul Telang - cruzou dados sobre o uso de banda larga nas escolas, da Fundação para a Computação Científica Nacional, com o desempenho ao nível dos exames de 9.o ano. Não estavam à espera do resultado: apesar de as notas terem aumentado a nível nacional, numa parte da amostra a tendência é inversa: nas escolas mais afastadas de centros urbanos.
"São as escolas com as piores notas e, ao mesmo tempo, aquelas onde se usa mais internet", explica o investigador. "Não estamos a falar apenas de escolas do Interior mas de escolas que simplesmente estão mais afastadas dos grandes centros urbanos." A quebra era tão significativa que o efeito global tornou-se negativo, apesar de sugerir uma certa recuperação à medida que os anos passam. "De qualquer forma, só podemos concluir o que analisámos. É importante continuar a seguir os resultados para perceber se depois do efeito negativo e da diluição há uma retoma."
Fenónemo conhecido
Os resultados sobre os efeitos das tecnologias nas salas de aula têm-se revelado ambíguos, explica Pedro Ferreira (ver caixa). O facto de professores e alunos terem de aprender a manejar a nova ferramenta e a janela de distracções que esta oferece parece pesar de forma negativa nos primeiros anos após a implementação. "É um paradoxo comum que surge sempre que existem elementos novos na sala de aula, seja a banda larga, novos professores ou turmas maiores", adianta o investigador, fundador da cadeira de Gestão e Políticas Públicas de Telecomunicações no Instituto Superior Técnico. Ainda assim, frisa, as notas não medem tudo. "É normal que as escolas mais afastadas dos centros urbanos usem mais internet para aceder a um conjunto de capacidades e experiências que não poderiam obter tão facilmente", diz o investigador, não excluindo a hipótese de noutras esferas de avaliação poderem existir ganhos imediatos.
Nesta primeira análise foram apenas analisados os resultados nos exames a Português e Matemática. A novidade mantém-se desfavorável para os alunos ao longo de todos os anos, excepto nas notas a Matemática em 2009, onde o efeito parece desaparecer. Já entre rapazes e raparigas as diferenças começam por não ser significativas, embora no último ano da análise o uso de internet seja mais penalizante para os rapazes. "É um resultado ténue", sublinha Pedro Ferreira, que defende que seria importante perceber melhor a forma como rapazes e raparigas se relacionam com a internet. "Estudos anteriores mostram que as raparigas usam a internet para procurar mais informação útil e os rapazes mais para jogar, ver filmes e afins.
Mas temos de ter cuidado com este tipo de análise: eu tenho um iPhone e aprendi a trabalhar com ele no YouTube", exemplifica. Ainda assim, as diferenças de gostos encontradas na amostra são grandes: apenas 34,9% das raparigas admitem jogar na internet, contra 71,9% dos rapazes. Também são os rapazes quem mais usa a internet para ouvir música e consultar sites como o MySpace. Estima-se ainda que o uso de banda larga numa média de 111 MB por mês conduz a um decréscimo de 8% nas médias dos exames dos rapazes.
Ligar não chega
A introdução de banda larga nas escolas portuguesas ficou concluída em 2006. Apesar de o uso variar substancialmente de escola para escola, em 2009 os alunos utilizaram em média 117 MB por mês (o equivalente a ver vídeos no YouTube durante uma hora), trocavam 390 emails e pesquisavam em média 900 sites. Para Pedro Ferreira, a principal conclusão a retirar do estudo é que estender o acesso de internet nas escolas não chega para obter ganhos de desempenho e é preciso mais planeamento na hora de introduzir medidas do género nas escolas.
Há dois meses começaram a entrevistar os responsáveis das escolas da amostra para perceber como foi feito o acompanhamento pedagógico da introdução de banda larga. Os resultados só são esperados nos próximos meses mas, para já, salta à vista a diversidade de respostas. "Há escolas que fizeram muitas coisas e outras que fizeram muito poucas. Queremos perceber que tipo de escolas fizeram o quê e porquê. São as escolas com melhores notas que apostam num uso educativo da internet? A que sites é que os alunos têm acesso numas e noutras?", deixa em aberto.
O objectivo é informar para melhorar, uma linha de investigação que segundo o investigador poderia ser aplicada a outros programas nacionais, por exemplo à entrega dos computadores Magalhães no 1.o ciclo - mas para isso são precisos dados. "A ideia é perceber como é que as pessoas usam a tecnologia, qual é o seu impacto, e como a podem usar melhor", defende. "Podemos até ficar a saber que no futuro próximo uma tecnológica excepcional terá este efeito no início mas a longo prazo é produtiva."
Apesar de os resultados ainda não permitirem um retrato aprofundado do impacto da internet nas escolas portuguesas, e do que são as boas e as menos boas práticas, há recomendações que já podem ser dadas. "Seja numa escola, seja no local de trabalho, é sempre necessário ter um programa de aprendizagem", recomenda. "As tecnologias de informação são sobretudo uma ferramenta para se fazer outras coisas. Há um mínimo que as pessoas devem saber sobre usar computadores, mas o fundamental é usar a banda larga para resolver problemas." Usar a internet nas aulas como se usa um livro, para construir um mapa, ler poemas ou validar dados é uma das sugestões de Pedro Ferreira, fundador da cadeira de Gestão e Políticas Públicas de Telecomunicações no IST. Outro conselho é promover ambientes de acesso controlados: "Não se trata tanto de restringir o acesso a conteúdos mas ensinar os jovens a guiarem-se no mundo que é a internet, distinguir fontes fidedignas, o bom do mau."
Marta F. Reis, aqui