terça-feira, 18 de janeiro de 2011

ERA UMA VEZ...

ASSIM NÃO JOGO

Hoje vou falar de futebol.

Era uma vez um jogador que se chamava Medo. Um grande jogador!
- Vamos jogar contra o Medo - diziam, antes do desafio, os adversários, cheios de medo.

Mas, um dia, lesionou-se.
- Estamos muito desfalcados - lamentavam-se os companheiros de equipa. - Sem o Medo não é a mesma coisa.

Foram buscar o suplente. Por acaso, o rapaz até se chamava Nervos. Era o Zé Nervos, não muito jeitoso a dominar a bola, mas com uma potência no remate de virar os guarda-redes do avesso.

Já o primo dele, o Chico Nervos, que também jogava, mas a meio-campo, não havia quem o suplantasse como armador de jogo.
- Rapazes, hoje a táctica é toda por conta dos Nervos - anunciava o treinador, nos balneários. - Com os Nervos ao ataque, temos a vitória garantida.

E tiveram.

Naquele jogo e no outro e nos outros que se seguiram o êxito foi estrondoso. Os adversários levavam abadas de chocar.
- Vocês não têm mais irmãos ou primos com queda para o futebol? - perguntava aos dois Nervos o treinador. - Se tiverem, eu contrato-os. Com os Nervos todos do nosso lado, bem controlados por mim, seremos imbatíveis.

Por sinal que eles não tinham mais parentes virados para o desporto. Eram os únicos Nervos futebolistas da família. Mas chegavam.
- Nervos! Nervos! Nervos! - gritavam os espectadores, nas bancadas.

Até parecia que a força dos Nervos se comunicava aos restantes jogadores.

Tanto se destacavam os primos que os jornais quase se esqueceram do nome dos outros futebolistas, do treinador e do próprio clube, para apenas designarem a equipa com títulos deste género: avalanche de Nervos, Nervos a mais, ataque de Nervos, com uns entusiasmos e uns exageros que - brr! - até enervavam.

Entretanto, o Medo, aquele jogador que se tinha lesionado no princípio da história, restabeleceu-se. Estava, de novo, pronto para jogar.

O treinador fez umas substituições, uns acertos e, sem dispensar os primos Nervos, mandou vir o Medo.
- Por este andar, com uma equipa deste nível, vamos ganhar a Taça das Taças das Taças das Taças - dizia o treinador, a esfregar as mãos e a rir-se.

Riso de pouca dura. O primeiro jogo com a nova formação foi um desastre. O segundo jogo, uma calamidade. Do terceiro jogo já não posso falar, porque não assisti. Sem, ao menos, um jantar de despedida, os dirigentes do clube puseram-me na rua.

Sim, era eu o treinador da equipa, esqueci-me de avisar no princípio.

Depois deste desaire, nunca mais voltei a um estádio. Mudei de vida. Empreguei-me a escrever histórias...

Mas uma coisa aprendi da minha passagem pelo desporto: com Nervos e Medo juntos, nunca se consegue ganhar.

António Torrado e Cristina Malaquias, aqui