quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

ATÉ AO PRÓXIMO TIRO NO PORTA-AVIÕES...

O gigantesco protesto que os resultados das presidenciais exprimem tira o sono à classe política? Não parece. Mais uns dias e o assunto morre. Até ao próximo tiro no porta-aviões. E se for fatal?

Quase à meia-noite de sexta-feira passada, à beira da entrada oficial no "dia de reflexão" que precedeu as eleições, uma reportagem da TSF recolhia o delicioso depoimento de um alentejano, já avançado na idade a avaliar pelas suas palavras. Dizia que iria votar em Alegre, mas não gostava dele. "Homessa!", interrogava-se o repórter, "se não gosta, por que vota?" Resposta: "Porque sou socialista desde que há política".

Remova-se a filiação partidária, para o caso irrelevante. Atente-se, sim, à referência história: "desde que há política". Na mais genuína expressão da sabedoria popular, o eleitor alentejano tem toda a razão. Até 25 de Abril de 1974, não havia "política", que ele associa a liberdade, democracia, eleições. Ora o que salta à vista é que temos vindo a apagar a "política" do nosso quotidiano, como se fosse um mundo que não nos diz respeito.

Os resultados do sufrágio de domingo são, a esse respeito, elucidativos. Mais de cinco milhões de eleitores fizeram "gazeta", com a prestimosa ajuda de uma "máquina" que entrou em colapso. Mais de 190 mil foram às urnas para, através do voto em branco, mostrarem que a oferta eleitoral não os satisfaz - uma "não-preferência", portanto. Em mais de 86 mil se contabiliza o número de boletins nulos. José Manuel Coelho, candidato cuja proposta política se resumia a disparar contra o "sistema" em todas as direcções, recolheu quase 90 mil votos. Feitas as contas, só 23% dos eleitores escolheram Cavaco.

Não, não é a legitimidade do presidente que está em causa. É o divórcio dos cidadãos em relação ao que genericamente se designa como "política", fenómeno acentuado em tempo de crise, mas que não é efeito dela. É a propensão de muitos cidadãos para se ficarem pela lamúria. Se votar é o acto mínimo de participação cívica e nem nesse botão carregamos, não podemos queixar-nos da (falta de) qualidade dos políticos.

O gigantesco protesto que os resultados exprimem tira o sono à classe política? Não parece. Ouve-se falar na necessidade de mudança, mas não se vislumbra uma genuína vontade de criar mecanismos que promovam o envolvimento dos cidadãos. Mais uns dias e o assunto morre. Até ao próximo tiro no porta-aviões. E se for fatal?

Paulo Martins, aqui