Pedro Baptista, 34 anos, está a fazer um pós-doutoramento nos EUA. Frutuoso: criou em laboratório o primeiro fígado humano.
O que se sente quando se dá assim à luz um fígado? "As descobertas são passo a passo e pequenos passos de cada vez. Mas quando há resultados são daqueles dias em que uma pessoa chega a casa com um sorriso, faz um bom jantar e bebe uma cerveja." Nos últimos meses, Pedro Baptista, 34 anos, teve razões para festejar. A fazer um pós-doutoramento no epicentro dos órgãos artificiais, o laboratório de Medicina Regenerativa da Universidade de Wake Forest, em Winston-Salem, na Carolina do Norte, é o criador do primeiro fígado humano. Este fígado é humano porque tem células humanas, mas para já está limitado à dimensão do fígado de um furão - 2,5 cm de diâmetro e 5,6 gramas.
Em 2003, Pedro Baptista recebeu uma bolsa de doutoramento em Biomedicina da Fundação Gulbenkian. Na altura escolheu como destino a Harvard Medical School, em Boston, onde começou a trabalhar com Anthony Atala, visionário da engenharia de tecidos e porta-voz da medicina regenerativa nas conferências TED ou programas de Oprah e Dr. Oz. Um ano depois, quando se mudaram para a Wake Forest, o investigador português teve carta branca para começar a desenhar o fígado artificial. "Na altura não tínhamos a certeza de que fosse funcionar. Já havia alguns laboratórios a fazer tecido hepático, mas nós queríamos criar um órgão com sistema vascular, que pudesse ser transplantado." A técnica apurada desde então (ver caixa) passa por matar as células do órgão original e obter uma espécie de esqueleto extracelular, capaz de sustentar novas células, da espécie pretendida.
O principal obstáculo, explica o investigador, é a quantidade de células necessárias para um fígado humano, 100 mil milhões num adulto, que podem ser reduzidas no mínimo até 30 mil milhões. As fontes são fígados de dadores ou de fetos, adianta. A hipótese de usar células estaminais embrionárias ou pluripotentes - a técnica que permite fazer recuar células adultas a um estado embrionário e depois diferenciá-las em vários tecidos - também está em cima da mesa, mas para já não passa de uma promessa técnica. Está ainda a estudar-se a hipótese de usar células de diferentes fetos, o que, contudo, levanta questões de compatibilidade. "Só estamos a conseguir semear 100 a 200 milhões, o que nos deixa bastante longe da meta", diz.
Se esta fase for ultrapassada, abre-se uma nova era. Portugal é líder nos transplantes de fígado - 255 transplantes em 2009 - mas em áreas como o pulmão, onde a mesma técnica já demonstrou resultados, a resposta aos doentes pode melhorar. Um fígado para a dimensão do furão ganha nova vida no espaço de sete dias, embora os investigadores pretendam alargar o período de aderência e expansão das células para 15 ou 21 dias.
A ideia de poder ter um fígado disponível para transplante num mês, quando as estatísticas mostram que a cada 30 segundos uma pessoa morre no mundo por não ter um órgão disponível para transplante, parece milagrosa. Quando chegará à clínica? "É a pergunta do milhão de dólares. É realista pensar em cinco a dez anos, o que talvez seja dizer às pessoas que ainda não é para já... Mas estamos confiantes", afirma o investigador. Para transplantes humanos, os porcos parecem a fonte ideal de matrizes extracelulares. Para já, começaram os transplantes em furões com esqueleto de fígado humano e células animais para garantir toda a questão técnica de ligar o sistema vascular do fígado ao organismo. No início de 2011 arrancam os transplantes de fígado humano em ratinhos, que como têm o sistema imunitário debilitado para experiências não rejeitam o fígado alienígena, e tirarão a prova dos nove ao avanço científico. É um passo histórico: "Estamos prontos."
Marta F. Reis, aqui
