quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ESTA GREVE NÃO É GREVE

De acordo com o que disse no passado domingo na TVI, o comentador que o país inteiro consagrou, Marcelo Rebelo de Sousa, hoje também não faço greve porque acho que ela é inútil e não se percebe como é que o Governo podia escapar a tomar as medidas que anunciou para fazer face à situação a que chegamos.

Para mim, muito mais grave que esta greve, que se percebe facilmente, mas que não servirá para muito mais do que para um desabafo nacional, é que ninguém nos explica como é que na União Europeia, cheia de regras burocráticas e bancos europeus, repleta de políticos e economistas de fama mundial, representada por uma moeda (quase) única plena de pujança, pode acontecer uma situação como a que atravessa a Irlanda.

Diz o nosso povo que quanto mais alto se sobe, maior é a queda. Foi de certo modo em linguagem figurada, o que aconteceu à Irlanda. Até há poucos anos, era apontada como um país exemplar, o seu "milagre" económico era endeusado em vários pontos da Europa e até me lembro de ouvir vários políticos portugueses falarem da Irlanda como um exemplo a seguir e de perguntarem de dedo em riste por que é que Portugal não crescia como eles cresciam.

Sabe-se agora que o fundamental da riqueza irlandesa era pouco mais que ar e vento. Descobriu-se agora que os números que tanto encantaram, em especial as oposições aos outros governos europeus, estavam estribados em realidades muito pouco palpáveis.

Aparentemente, foi à custa de activos tóxicos ou altamente contaminadores que a Irlanda sustentou um crescimento que não tinha verdadeira razão de ser.

Não se percebendo como é que os crânios das finanças europeias nunca se preocuparam em saber exactamente o que se passava, percebe-se bem agora por que é que essa mesma Europa foi tão lesta a prestar-lhe a solidariedade activa, em que todos são "obrigados" a participar. Até países pobres como o nosso, que nos vamos ver compelidos a pedir dinheiro a um juro superior para o podermos emprestar em condições mais vantajosas à Irlanda.

Claro que a União Europeia só faz sentido enquanto formos todos por um e um por todos, mas tal como por cá muita gente se indignou com um Banco de Portugal que durante anos, aparentemente não viu o que se passava debaixo do seu nariz e acabou por dar o que deu nos casos BPN e BPP, também agora seria altura de pedir responsabilidades a nível europeu de quem tem essas mesmas funções e também não viu nada.

Os mercados, essa entidade tão em voga mas também tão indefinida, podem ser capazes de tudo e mais alguma coisa, de serem justos ou injustos, de especularem ou de fazerem trinta por uma linha. Mas não podem ser só eles os responsáveis por situações que se arrastam durante anos sem que ninguém veja o que se passa, nem será deles a culpa, por exemplo no nosso caso, de termos uma Comissão Europeia que num mês diz que o PEC II é mesmo o que Portugal precisa e algumas semanas depois vem gritar "ao tio, ao tio" que afinal são precisas medidas muito mais graves.

No meio desta aparente insegurança europeia, sinceramente, a greve de hoje não me parece o mais grave.

Manuel Serrão, aqui