terça-feira, 5 de outubro de 2010

SABEMOS MAIS HOJE SOBRE A PRIMEIRA REPÚBLICA? NÃO

Ao fim de quase um ano de exposições, conferências, projectos editoriais, espectáculos, roteiros, concursos para as escolas, sabemos mais sobre a I República (1910-1926)? Não.

A resposta é partilhada entre os leitores do PÚBLICO on line, cuja esmagadora maioria afirma ter aprendido "nada" com as comemorações do centenário da implantação da República, e Manuel Villaverde Cabral, historiador e investigador jubilado do Instituto de Ciências Sociais, que entende que a História "não se aprende num dia, nem com comemorações".

No entanto, atendendo ao debate suscitado pelo PÚBLICO na Internet ("O que aprendemos com as comemorações da República?", perguntámos aos leitores) e ao resultado de uma tarde a conversar com alguns visitantes da exposição Viva a República! 1910-2010, na Cordoaria Nacional, em Lisboa, aquilo que foi assimilado através das iniciativas comemorativas é mais ou menos óbvio. Porque, como explica Villaverde Cabral, a maioria das pessoas "interessa-se pela História por causa dos paralelismos com o presente".

Isso mesmo foi evidente no fórum online, que, até ao final da tarde de ontem, continuava a ser alimentado por uma maioria de leitores que não hesitava em traçar comparações entre o estado crítico do país nas vésperas da revolução armada de 5 de Outubro de 1910 e a actualidade. "Ficamos mais cientes de que as sociedades se constroem num processo infindável, com avanços e recuos. Ficamos com a noção de que, em Portugal, não existe propriamente uma memória colectiva proactiva.

Ou que nos custa a aprender com os processos. Ou que falta uma visão estratégica, esclarecida, ou pelo menos humilde o suficiente para que, com honrosas excepções, os egos que nos têm governado não se sobreponham aos interesses colectivos, que, como todas as coisas, se vão transformando no decorrer do tempo", escreveu, num dos comentários mais suaves, o leitor Ricardo Moura Pais, de Arraiolos.

A surpresa de estar perante uma evocação que tem algo de familiar foi também sentida pelos visitantes da exposição na Cordoaria Nacional. "Quis-se a República porque a Casa Real estava endividada. E nós, 100 anos depois, estamos iguais", afirma José Martins, 61 anos, enquanto Vítor Santos, professor de História reformado, fala nas similitudes em relação ao défice. "Embora a História não se repita, há coisas que são cíclicas - o país não tinha dinheiro para pagar empréstimos, situação que hoje vivemos, infelizmente", diz.

Outros visitantes, porém, optam por encontrar correspondências com o panorama político-partidário nos últimos anos da I República. "Nós até fotografámos uma frase que faz exactamente alusão à instabilidade que se vivia e à que vivemos neste momento", diz Maria Helena, professora reformada, apontando para uma das afirmações que sustentaram o golpe militar de 28 de Maio de 1926, proferida por Gomes da Costa: "O meu propósito é ir contra a acção nefasta de todos os políticos e dos partidos e de pôr fim a uma ditadura de políticos irresponsáveis."

A par das frequentes analogias, um outro efeito foi produzido pela intensa e diversificada programação realizada sob a égide da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (CNCCR): a queda de alguns "mitos". Na página do PÚBLICO no Facebook, onde decorre uma discussão sobre o que aprendemos com a celebração dos 100 anos da República, Rui Monteiro sintetizou algumas das surpresas referidas pelos leitores.

"Aprendi que [todas] as mulheres só puderam votar a partir de 1974, aprendi que em 1920 o país tinha um produto interno bruto de -27 por cento, aprendi que em 1911 só podiam votar os chefes de família letrados, aprendi que a Igreja foi perseguida, aprendi que o pão, de 1910 a 1926, aumentou 21 vezes, aprendi que antes de 1910 já havia democracia com Parlamento, Governo, Constituição." Outros internautas sublinharam ironicamente a circunstância de o ponto alto das comemorações coincidir com um dos mais complexos períodos de crise. Villaverde Cabral, porém, atenta nas dimensões política e ideológica, afirmando ser "uma coincidência" o país viver uma "democracia desacreditada no ano das comemorações do centenário da República".

País tem "pouca memória"
A vitória do "Nada" era inquestionável, ontem, ao final da tarde. No inquérito feito no site do PÚBLICO, à pergunta "o que aprendemos com as comemorações do centenário da República?", 918 das 1257 pessoas que responderam à questão votaram na palavra "Nada", firmando uma larga vantagem sobre as restantes opções. O segundo lugar era ocupado pelo "Pouco", com 222 votos, e o "Muito" recolhia somente 117 votos. Os resultados contrariam as expectativas e crenças dos responsáveis da CNCCR. Apontando que o país sabe hoje mais sobre a I República do que há ano, Maria Fernanda Rollo, comissária executiva, afirmou, há cerca de um mês, que "há mais conhecimento sobre os elementos da História geral, do quotidiano e das vivências".

O historiador José Neves, professor na Universidade Nova de Lisboa, até acredita que o país conhece melhor os "protagonistas, as correntes e os movimentos", mas destaca a ausência de projecção precisamente sobre o "quotidiano e as vivências". "Trata-se de um período de transição que não foi explicado, nomeadamente no que diz respeito à questão social. Ausentes do debate estiveram também a dimensão colonialista da República, que foi secundarizada, e a questão de género", argumenta, acrescentando que apenas duas acções "fugiram à narrativa institucional tradicional": as exposições Viajar e Corpo, patentes no Terreiro do Paço. Olhando para o programa das festas, Villaverde Cabral diz que "têm sido um pouco um fiasco, com pouco impacto na população". E remata: "Em Portugal há pouca memória e, como diz José Gil, pouca inscrição."

Maria José OliveiraJennifer Lopes, aqui