quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O DIA CHEGOU

O Professor Daniel Bessa, um dos mais proeminentes economistas da nossa praça, anda há cerca de dois anos a discursar pelo continente e ilhas, no âmbito de uma iniciativa do BCP a que o JN, o DN e a TSF se associaram.

Falta uma conferência, para ficarem cobertas todas as capitais de distrito. Tenho tido o prazer e a honra de o acompanhar, enquanto moderador de alguns debates que, finda a alocução, se abrem aos convidados do banco.

Ouvi-o várias vezes esperançado, mas também várias vezes (quase) desesperado, designadamente quando, no mesmo dia da conferência do Porto, os mercados financeiros deram um assustador e paradigmático trambolhão. No entanto, de todas as intervenções que proferiu ficou-me na memória a primeira, no Algarve.

Avisava então Daniel Bessa: um país, como o nosso, que se endivida à razão de dois milhões de euros a cada hora que passa (agora são já 2,5 milhões por hora!) não tem grande futuro. Ninguém, de entre os presentes que pediram a palavra para questionar o economista, pegou naquele aterrador número. Porquê? Porque, sendo ele tão grande e tão assustador, nenhum dos empresários e clientes que ali estavam se deu provavelmente conta do seu real significado para a vida das suas empresas e famílias...

E, no entanto, estava ali tudo. Como o crescimento económico (efectivo e potencial) do país não era, como não é, famoso, a tradução daquilo que Daniel Bessa disse é simplesmente esta: desde meados da década de 90, Portugal andou alegremente a acelerar contra a parede. Um dia a parede tinha que aparecer. E apareceu.

Sim, é verdade que a crise económica e financeira a fez aparecer mais depressa. Mas, mesmo imaginando que a turbulência dos últimos anos tivesse sido apenas um pesadelo, o problema continuaria lá, à espera que os ciclos económicos nos mostrassem como a realidade aleija.

O que resta agora? Resta arrostar com a realidade. Resta trabalhar, para evitar a entrada numa espiral viciosa: o controlo das finanças provoca uma recessão económica, a recessão atinge tal dimensão que obriga o Estado a meter mais dinheiro na economia, para a salvar, as finanças voltam a derrapar...

E resta lançar um debate que andamos (quase) todos a evitar há demasiado tempo: o debate dos direitos adquiridos. Se alguma coisa ficou clara com a amplitude das medidas de contenção anunciadas pelo Governo foi que caíram alguns dos tabus que mantinham a economia numa espécie de espartilho. Daniel Bessa chamou-lhe "uma mudança de regime". A expressão talvez peque por excesso. Mas a verdade é que, quando se toca nos salários da sacrossanta Função Pública, quando se mexe nas transferências para as autarquias, quando, como terá que acontecer, se liberaliza o mercado de trabalho, estamos a mudar de vida. Um dia tinha que ser. O dia chegou.

Paulo Ferreira, aqui