Entrevista a António Nogueira Leite, conselheiro nacional do PSD
Esta estratégia do PSD é uma inutilidade, como disse Ângelo Correia?
Penso que o PSD, não tendo seguido a minha estratégia inicial, tem ido nesse sentido. Este processo negocial demonstrou-o, porque houve cedências enormes do PSD...
E fez bem em ceder?
Fez cedências enormes porque estava genuinamente com vontade de chegar a um acordo. Não conheço outro caso na Europa de um Governo que não faz um acordo do Orçamento por 200 ou 300 milhões - estamos a falar de algo inimaginável, que os membros do Conselho Europeu não vão perceber.
Tem falado com Passos Coelho?
Falo e ele atende, é uma pessoa simpática. Já esta semana falei com ele, dei-lhe a minha opinião.
Alguma vez o sentiu verdadeiramente motivado, determinado, a chumbar o OE?
Penso que não, ele foi sempre pesando opiniões diferentes que lhe foram dando, para aquilo que no fundo é uma estratégia política. Julgo que ele não teve isso como posição dominante, mas vamos ver.
Ainda vê que Passos tenha espaço para viabilizar o Orçamento, caso não exista um recuo do Governo?
Num momento como este, e apesar de estar convencido que este OE não vai ser executado em boa parte - independentemente do caminho pelo qual chega à decisão - gostaria que tomasse a minha sugestão: uma abstenção sob veemente protesto.
Mesmo depois de tudo o que disse?
Nestes momentos, mais do que a táctica, mais do que aquilo que é o efeito imediato das decisões, o que é preciso perceber é o impacto a longo prazo das decisões. Penso que no final é isso que vai prevalecer.
O que acha que correu mal na fase negocial de Maio (PEC II)?
Em Maio tivemos uma negociação a três e, nesta fase, as negociações correram bem. Primeiro porque não explicitei publicamente as exigências que iria fazer, o que me deu vantagem, porque o meu espaço de possibilidades negociais é inversamente proporcional aos meus compromissos públicos anteriores. Mas o que ficou também estabelecido foi a criação um mecanismo de supervisão que passava pelo reforço da UTAO...
... Isso volta a estar agora nas negociações.
Mas para mim não é indiferente que o Governo nunca tenha dado à Assembleia a informação necessária para o cumprimento de um compromisso. Isso tinha sido muito importante, porque tínhamos conhecido muito antes a situação que temos hoje. E depois tivemos o Verão inteiro à espera daquilo que o Governo necessariamente sabia: que o acordo que assinámos em Maio era letra morta em Julho.
Aprovando o PEC II, agora o Orçamento, o PSD ficará preso ao próximo OE?
Eu acho que isso não vai acontecer, mas se por exercício teórico isso acontecesse teria a minha oposição. Porque há aqui uma linha de coerência que tem de ser mantida. E não vale mais a pena, a partir de um determinado momento, viabilizar mais as coisas.
Quando?
Esse momento é o momento em que se pode rapidamente substituir este governo. A minha posição está obviamente condicionada, e muito, pelo facto de à gravíssima crise económica e financeira juntarmos um caos político. Isso tem condicionado as posições do Presidente da República e da maior parte das pessoas.
Ou seja, a partir do momento em que o travão constitucional não exista, o PSD deve romper este cordão que ainda o liga ao Governo e propor a moção de censura?
Eu acho que não há um cordão. Há uma necessidade de deixar o Governo ir até ao fim.
Até ao fim... destes seis meses?
Não. Até ao momento em que não seja mais possível alguém, interna e externamente, aceitar alguém que não é capaz de controlar os destinos do país. Repare: Portugal vai ter de apresentar, por alturas de Março, as perspectivas que vão condicionar o OE para 2012. E a situação económica do País, a capacidade de concretização das medidas que estão neste Orçamento e a execução financeira deste OE vão estar muito mais visíveis do que agora. E a minha presunção é que vai ser claro para todos os nossos parceiros da UE que há aqui um problema grave de reputação - que eles conhecem mas não podem estar permanentemente a enunciar.
O timing do PSD deve ser esse?
Eu acho que é o timing do País. E não é sequer por uma razão interna. É porque não vai ser possível dar credibilidade internacional a alguém que deixou deslizar a despesa em cinco meses em 1,8 mil milhões de euros, na repetição do que fez no ano anterior, que está a afundar o País em dívidas. Não é possível que alguém continue a financiar o País nessa circunstância. E repare neste aspecto: tudo isto é o problema menor. Neste momento existimos porque existe um mecanismo extraordinário que permite que a economia se financie que não vai poder durar por mais do que uns meses no próximo ano. Um sistema financeiro que não consegue ir buscar um euro ao exterior desde Fevereiro vai, claramente, à medida que esse processo chegue ao fim, levar a uma posição técnica e política dos nossos parceiros e credores muito mais dura que tem acontecido até agora.
É inevitável o recurso ao fundo de estabilização europeu - e por arrasto ao FMI?
Penso que, infelizmente para todos, não va-mos escapar a mecanismos de ajuda externa muito mais fortes do que aquele de que já estamos a beneficiar. O Governo fez tudo ao contrário - e isso torna inevitável que não vamos conseguir sair da situação a que chegámos sem um apoio externo significativo.
David Dinis e Paulo Tavares, aqui
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