Empresário pediu a Vara para ajudar a afastar presidente da Refer. MP quer recuperar três milhões de euros.
O inquérito termina sem que os investigadores tenham conseguido identificar completamente as ramificações do esquema de corrupção de Manuel Godinho nas forças de segurança e no aparelho de justiça. A reserva está expressa em 526 páginas recheadas de datas, encontros e pormenores com os quais o despacho de acusação revela a organização criminosa com "indesmentível poder económico" e "exuberante capacidade de influência" de que o empresário de Ovar é acusado de ser o arquitecto e pedreiro. Mesmo depois de detido, terá mantido interferências para assegurar um pacto de silêncio: o Ministério Público assegura que Godinho pagou aos advogados de alguns arguidos e entregou-lhes quantias mensais, para determinar o sentido dos seus depoimentos.
O total de bens dos arguidos que o Ministério Público tenciona ver revertidos a favor do Estado dão bem conta da dimensão dos crimes: são mais de três milhões de euros, sem contar com carros de luxo, telemóveis e outros presentes oferecidos aos arguidos como contrapartida da influência ou de serviços prestados a empresas geridas por Manuel Godinho.
Armando Vara surge, aos olhos do empresário, como "uma plataforma congregante de interesses", tendo em conta a sua influência sobre o sector empresarial do Estado e a banca. Entre 7 de Fevereiro de 2009 - dia de um almoço em Vinhais - e 31 de Julho do mesmo ano, Godinho e Vara tiveram oito encontros presenciais. O ex-ministro recebeu pelo menos 25 mil euros, acusa fonte do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) da comarca do Baixo Vouga.
Um dos pedidos de Manuel Godinho a Armando Vara e também a Lopes Barreira era que convencessem o ex-ministro Mário Lino da necessidade da destituição da então secretária de Estado dos Transportes e Comunicação, Ana Paula Vitorino, e do presidente do Conselho de Administração da Refer, Luís Pardal. Godinho queria assim reatar a relação entre a Refer e a O2 após o caso conhecido como "Carril Dourado". O sucateiro prometeu ainda a entrega de donativos ao Partido Socialista.
Ambos aceitaram a proposta e contactaram o ministro dos Transportes e Obras Públicas. Godinho arranjou ainda forma de contactar alguns funcionários próximos da direcção da Refer, para obter informações privilegiadas. Mário Lino chegou a advertir Luís Pardal para a necessidade de a Refer mudar a sua atitude penalizadora para com a O2, nomeadamente no que dizia respeito aos concursos públicos de adjudicação. Ana Paula Vitorino sempre se mostrou contra esta intenção.
A situação foi ao ponto de se efectuarem reuniões entre Godinho e quadros médios da Refer afectos ao PS para a destituição de Pardal, que estaria a entrar em conflito com o primeiro-ministro. Segundo o MP, Pardal não terá acatado uma ordem de José Sócrates.
Contornar a lei.
Os limites da lei não chegam, alerta a acusação, para garantir a transparência das relações das empresas do Estado com privados. Para o mostrar dão o exemplo de como Godinho conseguiu contornar os obstáculos criados pela Refer, quando quis excluir as empresas do grupo O2 do quadro de fornecedores: o empresário concorreu sob a veste de duas novas empresas, a 2nd Market e a SCI.
Organizada por capítulos, consoante o universo de empresas em causa, a acusação ressalva a importância dos contactos entre Paulo Penedos, advogado das empresas de Godinho, e o pai, à data presidente da REN. Em Junho do ano passado José Penedos teve, segundo a acusação, uma intervenção decisiva para que o contrato de gestão de resíduos industriais da REN fosse prorrogado até final de 2009.
As acusações de furto resultam, em muitas situações, de casos em que Godinho (ou seus funcionários) adulteravam valores de pesagens ou dos conteúdos transportados, recebendo das empresas públicas valores mais elevados do que o devido pelo serviço prestado.
Marta F. Reis, aqui
