quinta-feira, 7 de outubro de 2010

LICENCIADOS DEMORAM MAIS TEMPO A ENCONTRAR TRABALHO

Austeridade nos sectores público e privado vai pôr o desemprego total em redor de 11% nos próximos anos.

Nunca os licenciados esperaram tanto tempo para sair do desemprego, estando mesmo a ter maior dificuldade em arranjar trabalho que as pessoas com o 9.o ano ou o ensino secundário concluído. A situação tem vindo a agravar-se com a crise e, segundo a maioria dos economistas, tenderá a piorar nos próximos anos com as medidas de austeridade sobre o sector público e privado.

Os observadores alinhados com o centro-direita dizem que o problema resulta da falta de produtividade dos empregados (e dos "salários demasiado altos"), que, portanto, são os principais responsáveis pela estagnação da actividade empresarial. Apontam ainda para outra causa: o desencontro crónico entre as qualificações à saída das escolas e universidades e as necessidades reais do mercado de trabalho.

As empresas precisam de licenciados em áreas financeiras e nas engenharias que continuam a faltar, defendem. À esquerda, os especialistas lembram que o problema está na estratégia de desvalorização da economia por via dos salários e no corte do financiamento. Portugal precisa de contrariar a estagnação e a iminência de recessão com investimentos de qualidade que permitam criar muitos empregos produtivos e mais bem remunerados, sustentam.

Dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), citados pelo Ministério do Trabalho, mostram que o desemprego de longa duração (um ano ou mais) afecta actualmente mais de 55% dos desempregados com curso superior, uma taxa de incidência que supera já as dos grupos de pessoas com o 9.o ano (52,2%) ou com o secundário (51,7%). As séries disponíveis mostram que se trata de um fenómeno muito recente e raro: a primeira vez foi no início de 2009.

Quer isto dizer que, apesar de terem mais qualificações, os licenciados estão a demorar em média mais tempo a arranjar trabalho que os outros indivíduos.

No segundo trimestre deste ano estavam nessa situação cerca de 31 mil pessoas com cursos superiores, mais 10% que no mesmo período do ano anterior e quase o dobro que no período pré-crise financeira. De facto, antes do colapso dos mercados financeiros, no segundo trimestre de 2007, havia cerca de 17 mil licenciados classificados como desempregados de longa duração.

Pelos cálculos da OCDE no recente "Education at a Glance 2010", os jovens portugueses (menos de 30 anos) demoram em média um ano e um mês a sair do desemprego. Portugal tem neste ranking a terceira pior marca (que partilha com a Eslováquia e a Turquia), atrás de Espanha, onde o tempo de espera médio por um emprego é um ano e quatro meses, e da Grécia (um ano e dois meses).

A situação não vai melhorar tão cedo, garante o consenso dos economistas.

A tese dominante (governo, Comissão Europeia, OCDE, FMI, BCE) é que a consolidação brutal das contas públicas e a redução de custos no sector privado (através da estagnação ou mesmo da redução de salários) vai ser benigna para o crescimento e o emprego a longo prazo, mas não dá quaisquer garantias relativamente à evolução do poder de compra dos ordenados, por exemplo. Já o curto/médio prazo (os próximos três anos) será garantidamente mau para milhões de pessoas, sobretudo para quem está no mercado de trabalho.

Na semana passada, o FMI provou que, apesar das vantagens que ele próprio encontra na redução do défice, a economia vai pagar a austeridade com mais desemprego e estagnação económica. Segundo os economistas do Fundo, cada 1% do produto interno bruto (PIB) de redução do défice reduz o crescimento 0,5% e faz subir o desemprego. Aplicando a tese à realidade portuguesa (o governo pretende reduzir o défice 6,3% do PIB entre 2009 e 2013), conclui-se que a economia ficará estagnada e o desemprego em redor dos 11% até 2013. O governo acredita que a economia vai acelerar até 1,7% em 2013 e o desemprego baixar até 9,6% nesse período.

João Rodrigues, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, repara que "a modernização da economia não acompanhou o crescimento das qualificações da força de trabalho disponível. Isso parece-me certo, estruturalmente falando". Para o economista, "em Portugal apostamos em medidas de austeridade que podem bem acentuar o enfraquecimento e a desqualificação da estrutura económica portuguesa". "A crise pode estar a contribuir para a destruição de emprego qualificado, que não está a ser absorvido porque não há novo investimento criador de postos de trabalho qualificados", junta.

Para economistas como Luís Mira Amaral, Eduardo Catroga ou Francisco Murteira Nabo, o problema está na rarefacção do financiamento da economia provocado, essencialmente, pelo défice público e pela rigidez no volume da despesa. Sem "emagrecer" o Estado e sem aumentos de produtividade (nomeadamente através de fortes restrições de salários nos próximos anos) não haverá dinheiro para sustentar a economia (investimento e consumo) nem a criação de riqueza no privado que permita baixar a taxa de desemprego.
 
Luís Reis Ribeiro, aqui