Corrupção, burla qualificada e associação criminosa são alguns dos crimes apontados pelo Ministério Público. Fim do segredo de justiça permitirá acesso a despachos do PGR.
Na hora H para evitar que se extinguisse a prisão preventiva do empresário Manuel Godinho, o Ministério Público deduziu ontem acusação contra 36 arguidos no caso Face Oculta - 34 pessoas e duas empresas. Além de corrupção, no total os investigadores reuniram indícios de nove crimes, no processo em que está envolvido o ex-ministro Armando Vara, José Penedos (ex-presidente da REN) e diversos dirigentes e quadros de empresas participadas pelo Estado. A moldura penal dos crimes vai até oito anos de prisão.
Burla qualificada, associação criminosa, corrupção nos sectores público e privado, furto qualificado, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de notação técnica e perturbação de arrematações são os ilícitos apontados pelo Departamento de Investigação e Acção Penal da Comarca do Baixo Vouga. A investigação nasceu das suspeitas de favorecimento, em contratos públicos, a um grupo de Ovar que integra a O2-Tratamento e Limpezas Ambientais, liderada por Manuel Godinho. O empresário é acusado de estar no centro de uma teia complexa de ligações a gestores públicos e decisores políticos, a quem ofereceria contrapartidas para conseguir negócios favoráveis.
O relatório da Polícia Judiciária foi entregue a 12 de Novembro e já apontava para a constituição de mais de 30 arguidos. A antiga secretária de Estado dos Transportes terá ajudado a solidificar as suspeitas. Em Março foi noticiada a existência de escutas que apontavam para pressões sobre Ana Paula Vitorino, para que terminasse o conflito judicial entre a Refer e Manuel Godinho. O então ministro Mário Lino teria mesmo salientado que as empresas de Godinho eram "amigas" do PS. Ontem vieram de novo a público notícias confirmando que a ex-secretária de Estado terá testemunhado à Polícia Judiciária as pressões recebidas. Artur Marques, advogado de Manuel Godinho, lamentou mais uma violação do segredo de justiça.
Vários advogados de arguidos contactados pelo i explicaram não ter ainda sido notificados do despacho de acusação. A notificação tem carácter urgente apenas no caso de Manuel Godinho, já que um ano é o prazo máximo para medidas privativas da liberdade, se não for entretanto terminada a investigação. O empresário foi detido a 28 de Outubro do ano passado.
Despachos do PGR.
Com a abertura do processo, além de todos os pormenores sobre os esquemas de corrupção e sobre o grau de envolvimento de quadros de empresas públicas, abre-se a possibilidade de serem conhecidos na íntegra todos os despachos proferidos pelo procurador-geral da República sobre as suspeitas de atentado contra o Estado de direito. Recorde-se que os despachos foram considerados uma extensão processual do Face Oculta e nele integrados já este mês, depois de várias insistências do juiz de instrução, António Costa Gomes.
Além dos despachos, expurgados de excertos das conversas em que intervém José Sócrates - consideradas nulas pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça -, do processo constam as certidões extraídas e os fundamentos para as suspeitas de que o governo teria um plano para controlar a TVI. Um caso paralelo que acabou por se sobrepor ao inquérito inicial e originou uma comissão parlamentar de inquérito.
Após a notificação, os arguidos e os assistentes - entre os quais jornalistas que pediram para ter esse estatuto - têm 20 dias para requerer a abertura de instrução, prazo que poderá ser dilatado dada a complexidade do caso. Esta fase permite que o processo seja avaliado por um juiz de instrução, que decide se confirma ou não as acusações, podendo evitar o julgamento. Alguns arguidos já decidiram, mesmo sem conhecerem pormenores da acusação, requerer a instrução.
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