terça-feira, 14 de setembro de 2010

SÓ NÓS DOIS É QUE SABEMOS*

O Presidente da República está preocupado com a verdade.

Apesar de ser conhecida a relação difícil que os portugueses têm com a realidade - há até políticos que se aproveitam muito bem disso -, não parece que os cidadãos andem propriamente enganados com o problema do desemprego. Mais de um em cada dez portugueses em idade de trabalhar não têm emprego. É demasiado brutal para ser ignorado. Não há um de nós que não viva este drama de forma mais ou menos próxima.

É provável que Cavaco Silva quisesse dizer que a situação não melhorará, pelo menos, no próximo ano. Que muita gente, proximamente, ficará sem o subsídio de desemprego e terá de recorrer ao subsídio social ou ao rendimento social de inserção. Isto é a verdade, por que diabo o Presidente não a apregoou? Que tipo de limitação constitucional existirá que impede o Presidente de dizer a verdade quando a conhece ou julga conhecer?

E não só no que diz respeito ao desemprego. Se ele sabe a verdade e vê que há quem a omita ou, pura e simplesmente, minta, porque não o diz claramente? Não é também para isso que o elegemos como nosso representante?

Se Cavaco Silva sabe alguma coisa que acha que devemos saber e não a diz, nós, os eleitores, podemos pensar que ele está a proteger quem nos mente. Ou, pior: até pode haver quem julgue que não a revela porque politicamente não lhe convém denunciar os mentirosos.

Mas já que falamos de verdade, parece que o Presidente tem novidades para nós mas preferiu, mais uma vez, não as explicar. Diz que está na posse de informações que lhe permitem acreditar que o Orçamento vai passar. Querem ver que há microfones ou falhas de segurança nos computadores de São Bento e de São Caetano? Quererá dizer que todas as declarações, do primeiro-ministro e do líder da oposição sobre, por exemplo, as deduções fiscais, são apenas fogo fátuo?

Poder-se-ia pensar que o Presidente disse que tem essas informações com a melhor das boas vontades. Que seria uma maneira - não muito verdadeira, porém - de forçar os dois intervenientes ao entendimento.

Mas de que entendimento estamos, afinal, a falar? É que a aprovação do Orçamento não é, não pode ser, um fim em si mesmo.

Poderá o Presidente ter a gentileza de nos dizer que tipo de acordo quer? É que convinha saber, mais que não seja para percebermos quais são, no momento em que vai pedir a sua reeleição, as suas ideias para o País. É o Presidente que diz com insistência que é economista e que de Finanças percebe ele. Cortam- -se as deduções ou não? Deve-se cortar na despesa ou não? Qual deve ser a política fiscal?

Até este momento, o discurso de Cavaco Silva é igual, sem tirar nem pôr, ao de José Sócrates: "responsabilidade", "entendimento", "o País não aguenta uma crise política". Sobre o que deve ser o conteúdo do orçamento, nada.

Sócrates e Cavaco, a mesma luta: o primeiro-ministro quer ter carta branca para fazer o orçamento que muito bem entender, chantageando o principal partido da oposição e tentando responsabilizá-lo por uma eventual crise política que, ele acredita, penalizará o PSD. O Presidente da República quer um orçamento, pelos vistos, seja ele qual for, para não perturbar a sua reeleição.

A política é um mundo estranho. Quem diria, há uns meses, que o Presidente da República e o primeiro-ministro seriam hoje tão firmes aliados?

Já chega de tacticismos. O que tem de estar em causa é o conteúdo do orçamento. O que tem de estar na agenda são as medidas que cada um dos partidos acha essenciais para o País. O PSD não pode aprovar um documento que, na opinião do partido, não é bom para os portugueses.

Há quem diga que os eleitores não perdoariam aos social-democratas uma eventual crise política, leia-se, uma não viabilização do Orçamento do Estado. Pelo contrário. O que os portugueses não desculpariam é que o PSD deixasse passar um mau orçamento. E ainda menos satisfeitos ficariam se percepcionassem que o PSD foi contra as suas convicções em função duma eleição presidencial.

Miguel Cadilhe disse o óbvio: mais vale uma justa crise política do que um mau orçamento.

* Título roubado ao grande Tony de Matos

Pedro Marques Lopes, aqui