terça-feira, 28 de setembro de 2010

AUMENTAR IMPOSTOS OU CORTAR SALÁRIOS: UMA COISA OU OUTRA É INEVITÁVEL

Economistas consideram que será difícil cumprir metas europeias sem recorrer a uma destas medidas.

Os economistas portugueses consideram inevitável uma de duas medidas para fazer descer o défice para 4,6% do PIB em 2011: aumento da carga fiscal ou cortes nos salários da Função Pública. Com a OCDE a recomendar um aumento de impostos e o governo a preparar uma subida do IVA para 23%, aceitando o congelamento salarial (pág. 16-17), um dos dois caminhos parece ser incontornável.

Os impostos foram o motivo da ruptura das negociações entre o governo e o PSD, com os sociais-democratas a recusarem um novo aumento da carga fiscal para o próximo ano. No entanto, alguns economistas têm apontado o aumento do IVA como uma necessidade em 2011 para fazer face ao ano mais exigente no que diz respeito à redução do défice. "Temo que possa ser uma inevitabilidade mexer no IVA", afirma ao i Miguel Beleza, ex-ministro das Finanças do governo de Cavaco Silva. "Não concordo com o aumento, mas percebo que seja muito difícil cumprir a meta do défice sem ele."

Uma opinião partilhada por Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI. "É muito difícil cumprir as metas sem aumentar os impostos e, neste momento, o aumento do IVA é o mais provável", explicou. João Amaral Tomaz, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais concorda. "A aplicação exclusiva de medidas pelo lado da despesa não chega. É preciso fazer alguma coisa do lado da receita".

O governo tem sustentado a sua argumentação precisamente nesta ideia de que cortar na despesa não chega para atingir os objectivos. Na semana passada, o ministro das Finanças perguntou mesmo ao PSD: "Digam onde podemos cortar 4500 milhões de euros na despesa do Estado para atingir esse objectivo?", defendendo a necessidade de receitas adicionais.

"A ideia de que os impostos não podem aumentar nem um cêntimo é desastrosa. É preciso alguma flexibilidade, mas é bom que não aumentem muito", afirmou o antigo ministro das Finanças José da Silva Lopes, à margem da apresentação do relatório da OCDE.

A subida do IVA seria a forma mais fácil de aumentar as receitas. Como fonte principal de receita do Estado, o IVA tem a vantagem de envolver uma receita elevada, ser rápido de aplicar, muito difícil de lhe fugir e "num país com problema de excesso de consumo é uma forma de corrigir o problema", explica ao i Ricardo Reis, economista na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Caso se confirme o seu aumento de 21% para 23%, Portugal passará a ter a terceira taxa de consumo mais elevada da União Europeia, igual à da Grécia e da Finlândia.

O outro lado No entanto, nem todos os economistas aceitam que um aumento de impostos seja inevitável. Muitos continuam a bater-se por uma solução proveniente da redução da despesa pública do Estado. "Mais fácil do que pedir mais dinheiro às pessoas é parar de o gastar", defende João Duque, presidente do ISEG. "É possível cumprir as metas sem mexer nos impostos. Provavelmente será preciso cortar salários, mas então que se faça isso."

Mira Amaral, antigo ministro das Indústria, é também da opinião que se os impostos não sobem, os salários têm de descer. "Choca-me falar de aumento de impostos, sem falar primeiro de despesa", disse ao i, admitindo que "será inevitável algum ajuste no 13º mês dos funcionários públicos". Miguel Beleza considera que, caso os impostos não subam, "muito provavelmente seria indispensável cortar os salários, o que traria também alguma justiça em relação ao sector privado".

Há ainda entre os economistas aqueles que não aceitam estar entre a espada e a parede. Isto é, entre uma subida de impostos e um corte salarial. "Uma redução de 5% dos salários da Função Pública representaria uma poupança de apenas 0,6% do PIB. Quanto aos impostos, devem-se esgotar todas as possibilidades do lado da despesa antes de se mexer aí", sublinhou Bagão Félix, que também já deteve a pasta das Finanças. Já o professor de Finanças do ISEG, João Cantiga Esteves considera que um aumento de impostos seria "um sinal de total incompetência" do governo.

Com o governo decidido a aumentar o IVA, essa subida não deixará de ter efeitos nocivos para a economia. "A subida do IVA pode deixar uma recessão brutal e não deixa sementes para o crescimento futuro", avisa Ricardo Reis. "Subir o IVA não é uma boa medida: primeiro porque prejudica mais a retoma; depois porque significa ignorar a necessidade de cortar despesa."

Nuno Aguiar, com Luís Reis Ribeiro e Bruno Faria Lopes, aqui