quarta-feira, 18 de agosto de 2010

SOZINHO NA PRAÇA

A quinzena política nacional foi marcada por três factos politicamente relevantes: a crise política na superestrutura do Ministério Público; a vaga avassaladora de incêndios que mais uma vez martirizou o país e os dados ontem conhecidos sobre o crescimento económico na Zona Euro.

Todos eles relevantes, todos a apontarem o dedo a responsáveis, todos a indiciarem a necessidade do país mudar de página. A crise da Justiça, face ao silêncio inteligente dos principais responsáveis políticos, até parece uma querela específica dos agentes da Justiça e que só a eles responsabiliza. Errado. A crise da Justiça é tão-somente mais um sinal, só que acrescidamente preocupante por atingir um pilar vital do estado de direito, da situação comatosa em que se encontra a nossa comunidade.

Temos um governo de maioria monocolor que responde pela governação de quase 13 dos últimos 15 anos. Mexeu e remexeu na legislação estruturante do sector. Aprovou, no início da anterior legislatura, um pacto de regime para a Justiça - a que sempre me opus e esteve muito ligado à minha ascensão à liderança do PSD - que em nada desanuviou o mar alterado em que navega essa peça essencial de afirmação democrática.

Nomeou e desnomeou responsáveis e teve sempre a impecável solidariedade presidencial a sufragar essas reformas. Agora, lavando as mãos como Pilatos, faz de conta que nada tem a ver com o assunto.

Há uma quinzena de anos, o embate de policias contra polícias no Terreiro do Paço foi visto como um sinal de desmoronamento de um ciclo político. Assim veio a acontecer. Pouco depois, Guterres ganhava eleições e iniciava o actual ciclo de Poder.

Agora o sinal é mil vezes mais gravoso. Os polícias contra polícias foi substituído pelo pugilato de juízes contra juízes. Na época, os culpados não estavam entre os polícias, como hoje os principais rostos da culpa não estão entre os magistrados.

O principal responsável é um poder político decrépito e sem qualquer possibilidade de se aito-reformar.

Quanto à vaga de incêndios, o essencial não é muito diferente. A praga é sistémica e global, mas a sua perenidade em Portugal tem e ver com a completa ausência de políticas dissuasoras.

Só que, neste caso, os governos responsáveis são mais variados e de todas as matizes. Desde há 25 anos. As alterações climáticas com que estamos a lidar encontram em Portugal um terreno fértil.

O abandono da agricultura e da floresta, a reboque de uma política agrícola "comum" europeia, que só protege os agricultores ricos do Centro da Europa, levou ao acelerar da desertificação do interior, ao abandono das matas, ao avanço da cultura assassina de eucaliptos, em detrimento da variedade da floresta mediterrânica.

A falta de políticas de ordenamento e replantação juntou-se à falta de meios e de definição de uma hierarquia preventiva responsável. O resultado é o caos. Precisa-se de mais e melhor decisão política. Face ao seu interesse estratégico, talvez não fosse despiciendo dar a um rosto concreto, talvez um ministro de Estado, o poder transversal para lidar com esta emergência.

Uma verdadeira política de desenvolvimento competitivo do interior teria de ser sinérgica com uma voluntarista política florestal. Adicionalmente, era imprescindível uma nova política de protecção civil.

A profissionalização de corpos de bombeiros voluntários, a junção e maximização de recursos de diferentes corporações, a modernização de meios técnicos e logísticos, a criação de um corpo de técnicos vigilantes e responsáveis pela limpeza da floresta é inadiável - talvez esse corpo possa nascer de uma especialização dos próprios corpos de bombeiros.

No meio desta anarquia, uma palavra de simpatia em relação ao actual ministro da Administraçao Interna - um homem capaz e sério, que, com recursos limitados, tem procurado esbracejar sozinho contra a corrente.

Finalmente, os números da nossa tristeza. Portugal cresceu 0,2% no segundo trimestre deste ano, ou seja, estagnou. A 4.ª pior prestação da Zona Euro, entre 18 países. O primeiro-ministro rejubilou. O ministro da Economia levantou-se contra os hereges pessimistas!

Quanto mais tempo será necessário para que o Governo aceite o óbvio - que a crise, sendo da Europa, está a penalizar em primeira mão os mais mal comportados. E entre esses, estamos, infelizmente, nós.

O óbvio é que o actual primeiro-ministro estando no Poder há cinco anos e meio, é o primeiro responsável por um executivo que apresenta estes resultados medíocres e preocupantes.

O óbvio é que em democracia é pela avaliação deste tipo de resultados que se avalia da justificação de um governo continuar em funções ou ser destituído. O primeiro-ministro não quer perceber que é o seu governo e não a oposição que está sob julgamento.

Vem aí o debate do Orçamento do Estado. Julgo ser o momento indicado para que o actual poder fique, para o bem e para o mal, sozinho na praça.

Luis Filipe Meneses, aqui