segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O VALOR DE UMA BOA FAMÍLIA

A tirania dos genes pode ser combatida pelos valores familiares. Não altera o QI, mas aumenta a qualidade de vida.

Quanto mais se descobre como a nossa saúde e inteligência dependem de características biológicas hereditárias, mais difícil se torna perceber porque é que os pais investem tantas horas e euros na educação das crianças. Se está tudo determinado à nascença, para quê tantas dores de cabeça a tentar ensinar aos meninos o valor do trabalho e dos sacrifícios?

Uma pergunta muito parecida: como seleccionar famílias para adoptar crianças? Estando as características genéticas destas crianças já determinadas, e desde que se evite pô-las nas mãos de criminosos que as maltratem, sobra alguma característica da família de acolhimento que tenha influência no sucesso futuro das crianças?

Um dos estudos mais influentes nesta área, do economista Bruce Sacerdote, acompanhou o desempenho de meninos coreanos adoptados por famílias americanas. Desde 1955, são mais de 100 mil as adopções de coreanos nos EUA. Sacerdote obteve dados de quase 1200 crianças adoptadas entre 1964 e 1985 e fez um inquérito aos pais em 2004-2005 para descobrir o que tinha acontecido aos meninos. Todas estas crianças foram colocadas pela mesma agência, que só aceitava famílias com rendimentos 125% acima da linha de pobreza, em que os pais adoptivos estivessem casados há mais de três anos, tivessem entre 25 e 45 anos e menos de quatro filhos.

Satisfeitos estes requisitos, as crianças eram colocadas nas famílias pela ordem de entrada do processo. Este pormenor é muito importante: se, por exemplo, a agência colocasse as crianças que julgasse serem mais promissoras em famílias mais ricas, isto poderia levar a que os dados mostrassem que os meninos se davam melhor em famílias mais ricas. No entanto, isto não mostraria nada acerca do impacto da riqueza da família no sucesso dos meninos. O processo quase aleatório da ordem de chegada evita este problema.

Um primeiro conjunto de resultados mostra que as características das famílias não têm quase nenhum efeito no peso dos adoptados quando adultos, nem na sua inteligência medida por testes de QI. Confirma-se por isso a pouca influência dos pais nestas características com forte componente genética. Em contrapartida, as crianças colocadas em famílias melhores são mais saudáveis, têm mais anos de educação e maiores rendimentos. Estes efeitos são grandes: por exemplo, uma família melhor aumenta 16% a hipótese de a criança ter um curso superior.

Talvez o mais interessante seja descobrir quais são as melhores famílias. No estudo de Sacerdote, as duas características mais importantes são mais anos de educação dos pais e menos crianças no lar. Ambas podem ser vistas como indicadores (imperfeitos) da qualidade e da quantidade de tempo que os pais investem nos filhos. Apesar da tirania dos genes, as noites em claro e os ralhetes talvez compensem.

Ricardo Reisaqui