No Carnaval, temos os corsos e os gigantones; no Natal, as rabanadas e o menino Jesus; na Páscoa, o folar e as amêndoas e, no Verão, os fogos florestais. Somos, para o bem e para o mal, um povo rendido à tirania das tradições.
Somos o país que arde e reage ao fogo. Que canaliza dinheiro para aviões, helicópteros, fatos especiais - porque é mais fácil, porque requer apenas um conhecimento rudimentar de engenharia financeira (tirar daqui para meter ali) -, somos o país que tarda em definir uma conveniente política estratégica para a floresta, um país que não age por antecipação, que não sossega enquanto não replanta a mata ardida, desconhecendo que, nalguns casos, isso é o mesmo que lançar gasolina para a fogueira.
Habituámo-nos a olhar para os incêndios como uma fatalidade nacional, encolhemos os ombros, rezamos, crentes e não crentes, para que os bombeiros actuem depressa. Depositamos nos seus ombros a total responsabilidade de nos livrarem deste mal que nos assola com uma brutalidade que só não é mais nociva porque já a inscrevemos no calendário. É rotina.
A época dos fogos (podem tentar convencer-me do contrário, mas decretar uma época dos fogos e dividi-la por fases é o mesmo que oficializar um convite a quem nutre especial atracção pelas chamas ou vê nelas um sorrateiro proveito) começa sempre da mesma maneira e conhece sempre o mesmo desfecho.
Discutimos os meios, politizando os argumentos, andamos às cabeçadas sobre quem manda em quem, esgrimimos convicções sobre o valor do dinheiro que queimamos em aluguer de aviões. Sobre o que realmente importa discutir, zero. Nada.
Os fogos, para nós, são entidades abstractas que emergem da bruma a partir de Julho e recolhem ao tugúrio sombrio em Setembro. Os fogos, para nós, não são ameaças em Janeiro ou Fevereiro. Muito menos em Outubro. Debater a limpeza das matas no Inverno soa-nos quase insultuoso (para quê, se está a chover?), desenvolver programas de treino para os bombeiros meses antes de as sirenes soarem nos quartéis seria extemporâneo, porque nos habituamos a que eles, por via da sua bravura, ajam, por vezes, muito com o coração e pouco com a cabeça.
Mas não seria útil a um país que fazia (faz?) gala de ter na floresta uma das suas mais resplandecentes jóias parar um pouco para reflectir? Não deveria o Governo - este e os que o antecederam - promover uma ampla discussão nacional para, de uma vez por todas, deixarmos de assistir ao mesmo filme, ano após ano? A não ser que queiramos culpar a Natureza pelo nosso infortúnio colectivo. Isso: a culpa é das alterações climáticas. Cheguem-lhes fogo.
Pedro Ivo Carvalho, aqui