segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A MALDIÇÃO DE SÁ CARNEIRO

O projecto de revisão constitucional do PSD continua a ser o grande tema político. Apesar de os outros partidos insistirem em não querer debater o seu conteúdo optando por tresler as suas propostas ou, pura e simplesmente, escolhendo mentir sobre o que lá está.

Aqui o PS, que tantas vezes tem apelado à responsabilidade e ao comportamento sério, tem levado a palma à concorrência. Desde atoardas do género "o PSD quer o despedimento livre" até acusações de que se quer destruir o serviço nacional de saúde ou o ensino público, passando pela progressividade fiscal, tem valido tudo.

Os erros de comunicação que o PSD tem cometido e algumas declarações menos felizes, como foi o caso da de Calvão e Silva, não podem servir de desculpa para que, pela primeira vez em muito tempo, não se discutam de forma séria questões fundamentais para a nossa comunidade. Não se pode pedir para elevar o debate político e depois tratar propostas sérias como se fossem os dichotes de Santos Silva ou as respostas de alguns deputados do PSD.

Claro está que se entende, em termos tácticos, a postura dos socialistas. A verdade é que o projecto do PSD - e não da comissão de revisão, deixemo-nos de conversas - está a ser utilizado pelo PS mais para o combate político contra o BE e o PC do que propriamente contra os sociais-democratas. Ou, melhor, a oposição feroz que os socialistas fazem ao projecto resulta melhor junto do eleitorado habitual do BE e PC do que no eleitorado que flutua entre o PS e o PSD.

Dentro desta perspectiva, o PSD faz um favor ao PS, dando-lhe a oportunidade de tentar capturar algumas bandeiras de esquerda, tentando esvaziar estes dois partidos. A bem da democracia portuguesa era muito bom que isso acontecesse. O bloqueio à esquerda no nosso sistema político só é solucionável através de eleições. É impossível, como é do conhecimento geral, qualquer tipo de entendimento governativo entre o PS e os comunistas e bloquistas.

Mas, os efeitos políticos do projecto de revisão alargam-se também às presidenciais.

É sabido, e irá ser repetido duma forma mais ou menos clara - o preâmbulo foi já ontem -, que o Presidente da República não subscreve, nem de perto, nem de longe, o projecto da equipa de Passos Coelho. A ninguém surpreende esta posição. A corrente de pensamento dominante no PSD de hoje não é propriamente semelhante à de Cavaco Silva. Não será muito arriscado dizer que nos aspectos relevantes do projecto dos sociais-democratas, revisão, saúde, educação, despedimentos, o ex-primeiro-ministro está mais próximo de Sócrates do que de Passos Coelho.

Mas, por uma vez, esta dissonância entre o Presidente da República e a actual liderança social-democrata convém aos dois.

Cavaco Silva mostra que está distante do partido que apoiou a sua candidatura e pelo qual foi primeiro-ministro. Passa assim a ideia de que a sua recandidatura é pessoal e quase independente. Nada melhor para quem tenta uma recandidatura e não conseguiu até agora mostrar que alargou a sua base de apoio ideológica.

Pela parte da direcção do PSD é fundamental mostrar a diferença em aspectos políticos vitais entre as opiniões de Cavaco Silva e de Passos Coelho.

Tanto o desafio lançado pelo líder social-democrata, no Pontal, para que marcasse eleições até dia 9, co-responsabilizando-o duma forma directa pela governação, como a efectiva sintonia entre Cavaco e o PS na questão da revisão constitucional, tenta descolar o Presidente da República do PSD.

Para o PSD é vital marcar um certo afastamento de Cavaco Silva. É fundamental para o partido não deixar passar a mensagem que a reeleição quase certa do Presidente seja uma garantia para os eleitores de que há um equilíbrio de poder, deixando Cavaco como Presidente e os socialistas como Governo - a velha tese de não pôr os ovos todos no mesmo cesto.

A vontade de Sá Carneiro - um governo, uma maioria, um presidente - tornou-se uma espécie de maldição para o centro-direita português. Ao PSD não sobram alternativas: apoiar Cavaco Silva demonstrando a cada passo que as presidenciais não são as eleições que de facto importam e que as mudanças urgentes jamais serão asseguradas por um presidente, seja ele qual for.

Pedro Marques Lopes, aqui