quinta-feira, 29 de julho de 2010

A "CARGA VERBAL" DOS NOSSOS POLÍTICOS

"O que caracteriza a actual situação política portuguesa é uma carga verbal antagónica, mas, no essencial, os acordos necessários depois fazem-se. Nunca avaliem a situação política pela carga retórica daqueles que falam". Esta análise de teor político é feita por Jaime Gama, o actual presidente da Assembleia da República, numa entrevista concedida à jornalista Flor Pedroso (Antena 1), na passada sexta-feira.

Trata-se de uma entrevista inteligente, de parte a parte, que evidencia o estilo político e a densidade estratégica que enforma o político Jaime Gama. Temo que por ter passado na rádio não tenha o eco de outras concedidas às televisões ou à imprensa escrita. É, contudo, uma entrevista que, por vir de quem vem e na ocasião do final de um ano em que o Parlamento esteve sempre em forte ebulição interna e em grande foco mediático, mereceria toda a atenção e deveria ser muito bem descodificada. Esta entrevista releva o vulto de Jaime Gama, político sagaz, estratega de precavida habilidade, conhecedor da "política à portuguesa" e dos seus políticos. Esta entrevista indica, por certo, a "chave" de como e por tanto tempo, mesmo quando a AR está mais dividida partidariamente do que nunca, se mantém à tona e a presidir por consenso dos partidos mais antagonistas.

Provavelmente, por razões pessoais e por natureza do seu estilo, Jaime Gama é um político que "brilha" pouco e não aparece, com grande frequência e destaque, nas primeiras páginas dos média.

Efectivamente, este diferencial que existe entre a "carga verbal" e a actuação dos nossos políticos se é uma caracterização bem achada da actual situação política portuguesa, não deixa de ser um sintoma perturbante do estado de um certo congelamento da acção política. A actividade partidária mantém-se intensamente ao nível do discurso, cruzando palavras, ideias antagónicas, zurzindo críticas violentas, mas num resultado prático de acção neutralizada. Em parte, será por efeito de uma crise insistentemente verbalizada, mas que ninguém consegue impor medidas para dela sair, ou porque não as tem, ou porque teme os efeitos potencialmente devastadores em resultados eleitorais. Reduz a acção política a uma condição inane. A solução de cada um não é a de nenhum. E este é, porventura, o estado linfático da nossa actual situação política. Atrofiante, cataléptico, desesperante.